Outubro em Lisboa e ainda os casacos não deram sinal de si. Nesta noite de Quinta-feira passa-se o mesmo: aglomeraram-se à entrada do Lux pessoas com uma indumentária que era suposto estar já na gaveta destinado à estação anterior. São bastantes os que conversam sobre o novo álbum de You Can’t Win, Charlie Brown, que estava a poucos momentos de ser apresentado.
Marrow, o terceiro trabalho deste sexteto Lisboeta, é exposto no mesmo espaço que, em 2011, a banda lançou o álbum de estreia, Chromatic. Desde lá alteraram-se imensas formas e feitios, mas já lá vamos.
A sala não suportaria muitas mais pessoas quando, pouco depois da hora acordada, ouvimos os primeiros acordes de Above the Wall. É interessante o resultado da mistura entre as várias guitarras com um dos aspectos disruptivos deste novo disco: o maior realce dado à componente electrónica.
Sem tempo para palavras, surge Linger On. Neste tema, ao reunirem o ritmo crescente, a pluralidade instrumental, e a sua boa disposição, a banda traz-nos um ambiente festivo, aqui e ali a fazer lembrar os Kumpania Algazarra. Os corpos não se mostravam indiferentes ao que nos era transmitido pelos decibéis, e até o pé direito dos mais introvertidos perseguia o ritmo da música, uma prova que este ambiente de festa – outra das evidências deste álbum – se demonstrava assertivo.
Em escasso tempo passamos da festa para a ressaca. Mute, musica de Domingo de manhã, é um dos temas mais simétricos do álbum. A cadência solarenga, o jogo de tempos e silêncios, não só mostra a outra vertente da banda, mas logra seduzir o público, merecendo longas palmas.
Esta ressaca continua com a revisita aos álbuns anteriores. Until December e After December mostram que os YCWCB, apesar da evolução registada, não cortaram relações com sua anterior roupagem. A liricidade da banda, essa, é um denominador comum entre álbuns. Revela-se bastante apreciada pelos seus seguidores, que cantam mesmo as letras do novo álbum.
Esta capacidade lírica é manifesta no regresso às canções de Marrow. Depois de Frida e In The Light There Is No Sun, chega Pro-Procastinator – o próximo single da banda – que foi um dos momentos da noite. Com uma sonoridade que consegue colher influências tanto de Gizzly Bear, Talking Head, assim como LCD Soundsystem (e porque não Patrick Watson?), estes temas mostram-nos uma banda, não um conjunto de seis músicos e outros tantos instrumentos. O fim desta música revelou-se desarmante , e um ótimo mote para um curto encore.
Voltaram a palco brincando com David Santos, que, contavam-nos eles, não queria tocar Be My World por se enganar frequentemente nesta música de Diffraction/Refraction, segundo álbum da banda e uma das mais queridas entre o público. Despediram-se com Bones, a última faixa de Marrow, que Afonso Cabral canta no meio da multidão e que termina de forma abrupta.
Seria fácil assumir que os sinais e conversas que durante todo o concerto se sucederam em catadupa com a mesa de som refletiam algum amadorismo. Mas pelo contrário, menos não são que um reflexo do caracter minucioso da banda, onde os pormenores são afinal pormaiores, e o perfeccionismo uma ambição constante e coletiva. O Público percebeu isso mesmo e ficou tão feliz com o concerto que assistiu, como a banda pelo espetáculo que proporcionou.
Texto – Tiago Pinho
Fotografia – Nuno Cruz