Depois de uma semana longa e cinzenta, o melhor aconchego que se poderia encontrar seria no nosso, já habitual, Sabotage Rock Club. A noite reservava uma surpresa das grandes e ia trazer algo nunca feito e uma experiência sensitiva única que, dificilmente, se voltará a repetir.
Os causadores de todas as metamorfoses mentais e levantamento de pêlo seriam Acid Acid ou Tiago Castro e Vítor Rua. Não esquecendo a abertura do palco, muito bem escolhida, por sinal, que esteve a cargo de Calcutá.
Teresa Monteiro, responde pelo nome de Calcutá sempre que decide, de guitarra ao ombro, espalhar encantos e apaziguar qualquer tipo de mente e coração perdidos. Em meia hora, Teresa conquistou tudo o que havia para conquistar naquele espaço, a atenção, a calma, os sorrisos e a tranquilidade. A voz, um tanto celestial e profunda, é acompanhada por uma luz suave e aveludada como o momento pedia. Afastada do microfone, Teresa, pouco precisa de se esforçar para fazer chegar até nós o talento que oferece. Por momentos, tudo o que era sujo ficou limpo e o escuro ficou claro, Calcutá encantou e embalou-nos numa maciez e delicadeza únicas. Os acordes que lhe saiam pelos dedos seguiam uma linha ténue e pouco descarrilavam, o estilo era marcadamente folk com alguns traços leves de americana e o toque macio da delicadeza vocal.
Chamou o amigo Alex Fernandes para tocar uma espécie de acordeão e acompanhá-la na música “Weep Valley”. Entre as faixas, “Holiday” foi dedicada à sua guitarra e “Rocks” foi indicada como a primeira música que fez. Teresa apresentou ainda uma música nova, “Over Night” e informou que o seu EP vai ser lançando em Dezembro numa festa mística que vai ser divulgada pelas redes sociais. Aguardemos.
A Acid Acid já conhecemos a capacidade de nos fazer entrar por submundos e escorregar por abismos mentais coloridos, caleidoscópicos e explosivos. Com este conhecimento adquirido, ficou sempre a incógnita e a expectativa de que algo de diferente e extraordinário poderia acontecer do casamento entre o psicadelismo de Acid Acid e o improviso lunático e sábio de Vítor Rua. Assim aconteceu.
Faltava pouco para chegar à meia noite e meia quando subiram os dois mestres ao palco acompanhados de um loop de imagens de árvores e folhagens, sol e luz da noite. Havia LED’s à volta dos teclados que mudavam de sequência de acordo com as ondas sonoras emitidas (obra de João Freire). Com os riffs distorcidos dava-se início à viagem e era melhor fecharmos os olhos, não haveria paragens e o rumo era ditado pela nossa sensibilidade. Um turbilhão de sentimentos se apoderou dos presentes, as guitarras personificavam a voz de águias e com elas o eco de transtornos que nos abanaram a cabeça sem mexermos um milímetro do corpo. O poder da levitação e do tele transporte pôde sentir-se nesta noite, a música tanto nos guiou por voos altos sobre encantamentos como nos fez descer a pique e mergulhar nas profundezas do oceano, o oceano de nós próprios, onde sentimos um prazer colossal em cada cor e textura. Há alturas em que o chão e as paredes estremecem e nós sentimos o deleite de cada nota a entrar-nos pelo corpo. De imediato somos sugados por uma bolha, o todo absorve-nos e nós somos o todo. Nesta noite, o mundo parou e Tiago Castro e Vítor Rua manipularam as nossas mentes com o mais genuíno e puro som, aquele que vem dos antepassados e nos faz sentir livres como se o amanhã não existisse. Vítor Rua soube o que fazer, soube encaixar os seus riffs improvisados em cada onda gerada por Acid Acid. Soube, também, surfar nessas ondas alcançando o auge do concerto quando pousa a guitarra no chão e sobe para cima dela. Primeiro calçado, depois sem sapatilhas, depois sem meias, numa magia que fazia dele e da guitarra um só. Foram só 40 minutos! Ficou aquele sabor insaciável e um formigueiro no corpo. Uma noite única e algo que não se vai repetir, pelo menos assim! Feliz de quem enfrentou a chuva e não teve receio do desconhecido, a eles, certamente ficará na memória esta noite.
Texto – Eliana Berto
Fotografia – Ana Pereira