Na verdade não era um concerto que Portugal inteiro aclamava ou venerava para poder ver. Em Junho Polly Jean Harvey esteve na cidade do Porto no Primavera Sound, exatamente com o mesmo concerto. À semelhança de Patti Smith o ano passado também no mesmo festival, prevíamos o mesmo alinhamento, tal como os gestos, riffs ou falsetes. Mas cada concerto é um momento único e irrepetível.
The Hope Six Demolition Project é um álbum composto de estórias verdadeiras, testemunhadas, fotografadas, filmadas, escritas e compostas em pequenos contos musicais. Tendo como pano de fundo os dois dos cenários de guerra mais sangrentos da história da humanidade, Kosovo e Afeganistão. “The Hallow of the Hand” um livro de poesia, é mais um produto artístico que surgiu desta viagem de PJ Harvey com o fotógrafo e realizador Seamus Murphy a estes dois países e também Washington DC (entre 2011 e 2014). É a soma das partes que faz um todo grandioso, sério, sentido pela PJ Harvey e por todos os 9 músicos que a acompanham nesta digressão. Mas tal como uma boa peça de teatro, só se torna perfeita no final de várias actuações, onde os actores já estão tão visceralmente alinhados que conseguem prever o número de suspiros entre as falas. PJ Harvey esteve ontem no Coliseu de Lisboa numa perfeição poética, numa colocação de voz milimetricamente alinhada com os gestos celestiais dos dedos magros. Onde o olhar alternava entre o ausente e o espanto, o profundo e o desalento.
The Hope Six Demolition Project foi apresentado na íntegra, com os bongos, os tambores, o violino, os saxofones, as maracas. Uma pitada de The Wheel e claro, uma boa dose de The England Shake, último álbum que lhe valeu um considerável número de prémios. Sabíamos que não iríamos ver os dedos da PJ nas cordas da guitarra eléctrica ao despique com os de John Parish, mas sinceramente, nem lhe sentimos a falta! Sim, a PJ Harvey rockeira de movimentos agitados e cabelos soltos não esteve ontem no Coliseu. Esteve uma mulher tranquila, serena, um pouco mais triste que o habitual, talvez. As letras das músicas não permitiam grandes explosões de felicidade, mas sim de esperança. Uma mulher numa voz assustadoramente afinada, saltando dos agudos aos graves com a mesma leveza que tocava o saxofone, ou o segurava ao alto. Cumplicidade com cada um dos instrumentos que a (pequena) orquestra tocava, para ela e com ela.
Vários momentos que nos fizeram suster a respiração, “To talk to you” e “Bring You My Love” em que de costas para o público caminha lentamente, em passos milimétricos. Todos a acompanham e termina o passo no último suspiro do saxofone. A simplicidade da guitarra de John Parish com os tambores levemente lá ao longe. E outros que nos deixaram suspensos nos agudos cristalinos, “Dollar, dollar” ou ” Down by The Water” num revivalismo que agitou a sala.
Uma orquestra numa diversidade de sonoridades mais graves (percussão), em que a afinação do coro masculino se entregou em uníssono (“The Devil”) aos acordes majestosos da musa de negro.
Sorrisos fechados dos 10 músicos em palco, e nem mesmo a apresentação de cada um por PJ Harvey os fizeram abrir os músculos faciais. PJ Harvey deixa escapar um leve sorriso e um “thank you” sumido, quando agradece antes do encore. E somente no final, conseguimos vê-los numa expressão que eventualmente possa estar relacionada com…Felicidade. Uma noite demasiado quente para a época, uma performance teatral perfeita num conjugar de ritmos e vozes arrepiante. Uma noite atípica, e estrondosamente bela!
Texto – Carla Sancho
Fotografia – Alexandre Antunes / Everything Is New
Promotor – Everything is New