Sala gigante, ladeada por tijolos e um pé direito a tocar o limite das nuvens. Muito provavelmente uma antiga tipografia de onde saíram histórias impressas. Na véspera do feriado de Todos os Santos, perante uma multidão que exultava com mais um tema do trio berlinense Moderat (Gernot Bronsert, Sebastian Szary (aka Modeselektor) e Sascha Ring (aka Apparat), apanhas boleia para destino incerto. Sem referências, somente uma pulsão que se apodera. Sem hesitares segues, acompanhas com o que te permite o entorpecimento do teu corpo. Assumes uma imensidão interior que não é mais que um aqui e agora, uma suspensão que é desejo de infinito. Um buraco negro. És deformação e distorção. A partir daqui tudo é possível.
Os infinitos minutos de espera, o calor sufocante, a distância em relação ao palco deixam de fazer sentido. Assumes que nada em volta faz sentido, entras na caixa negra que Moderat construíram e convidaram, cada um, a entrar sem hesitações. Uma simbologia criada a partir dos três primeiros temas Ghostmother, A New Error, Running até desembocar na remistura de Abandon Window para tema de Jon Hopkins. Uma janela para a qual olhas deslumbrado, fascínio quase infantil, que não te sendo familiar vai-se entranhando em cada cadência, a cada nova repetição de ritmo. Uma tradição do krautrock alemão que o trio consegue actualizar com inegável mestria. O concerto ganha profundidade. À matéria acrescenta-se outra camada, e outra. Um mecanismo sucessivo que te faz pensar que o dia 30 de Setembro de 2016, o do desaparecimento de Roseta, não foi em vão. Uma desmaterialização que temas como Rusty Nails ou Last Time, onde à base electrónica se acrescenta vocalizações etéreas te convertem em novo pagão. Os santos, todos os santos de devoção, já não são mais figuras de idolatria, antes anseios desconhecidos, vontade de abarcar o indefinido.
Os ecos da actuação no último Primavera Sound – Porto são apropriados. Há confiança cega em cada um dos elementos de Moderat. Sentes que cada momento é aquele, fazem sentido neste ritual colectivo. De celebração, a maior parte das vezes, e de imersão. Há uma condução sem GPS, sem placas a indicar-te o centro. Como uma cidade invisível, que a cada linha sonora correspondesse um novo limite, onde a periferia é linha de fuga. É entrega total, um público rendido, que os autores de II, III e outros tantos Ep’s conduziram com perícia. E retribuíram não com um, mas dois encores, guardando para o final Versions.
Novamente uma boleia com destino incerto. As recordações permanecem à flor da pele. A vontade de eternizar aquele momento não é mais do que desejo de liberdade. Os constrangimentos desvanecem-se, uma dimensão que recrias em cada movimento quotidiano. As tuas Blind Images. Do desaparecimento.
Texto – João Castro
Fotografia – Luis Sousa
Promotor – Eventos Imediatos