Anfitrião, acto de generosidade sem concessão. Do gesto simples de oferecer um copo de água, à mesa alongada no jardim de uma tarde distendida de Domingo, a vontade em partilhar. Poderia ser texto introdutório para publicidade ao Mateus Rosé, mas facilmente se associa a músico estrangeiro com legião de admiradores mais ou menos considerável em Portugal. Cass Mccombs é um deles. Com uma longa e regular produção discográfica, o autor californiano, já por cá tocou, em Lisboa, umas quantas vezes nos últimos tempos – ZDB, Teatro Maria Matos e no Optimus Alive. Desta forma, quem o visita já sabe ao que vai – canções extremamente bem construídas, letras bem esgalhadas, melodias simples na aparência que ao vivo ganham dimensão invulgar, uma execução técnica irrepreensível e sobretudo, uma transição entre estilos feita sem sobressaltos, nem atabalhoações de última hora. Folk, rock, rock psicadélico, alt country tudo é cozinhado com sabedoria, e com tempero a preceito. Despojado. A música como valor seguro.
Opposite House, tema do seu mais recente álbum Mangy Love, editado pela -Anti e com que abriu o concerto no Cinema São Jorge, no âmbito do Misty Fest, poderia bem servir de metáfora para o que seria uma casa oposta. Uma qualidade sonora sofrível que não só prejudicou Cass como os restantes elementos da banda e sobretudo os convidados que os acompanharam, Helena Espvall no violoncelo e Pedro Sousa no saxofone. Se durante os temas – Medusa’s Outhouse, Brighter!, Buried Alive e Dreams-Come-True-Girl que contaram com a participação de Helena Espvall as cordas do violoncelo e as tonalidades que esta tentava conferir eram praticamente imperceptíveis, ou chegavam como uma mensagem em código Morse, tal os cortes que sofria; com Pedro Sousa, no tema The Burning Of The Temple, 2012, torna-se esforço inglório ver tanta determinação para tão pouco proveito, sabendo antecipadamente da energia que o saxofonista da Parede emprega em cada uma das suas actuações, tanto a solo, nos diferentes projectos que abraça ou acompanhando outras bandas, como se deu aquando do concerto de Marching Church, no passado mês de Fevereiro na Zdb.
Mas, mesmo numa casa com chuva lá dentro, e voltando novamente ao tema de abertura, e com uma mudança de amplificador do Cass pelo meio, não há nada a que o quarteto americano e o público entusiasta não faça para tornar a sala mais acolhedora. Sem necessidade de grande diálogo entre palco e plateia, somente o desfiar de temas mais ou menos conhecidos, alterados de quando em vez para solos de bateria, baixo e sintetizador. O tempo torna-se longo, sem pressas, como acumulando todo uma tradição muito americano de amarrar grandes letras em grandes canções, e não foi preciso nobel a Dylan para nos lembrar. Poderíamos fazer como o teclista, deixar sapatos para o lado, atrasarmo-nos para o encore que tudo não só seria bem entendido, como seria motivo para surpresa e improvisação para tema de abertura de série bem conhecida, quando as televisões só tinham dois canais e terminavam com o hino nacional, Hill Street Blues. As duas horas passam languidamente, County Line fica para penúltimo tema porque Cass não é homem de uma canção só e não precisa de outros subterfúgios que não seja uma boa história e poder contá-la. E que melhor que um bom anfitrião com uma boa história para nos contar?
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Os artigos e fotografias de cada dia estão disponíveis em:
+ Misty Fest’16, A Ilha deliciosamente utópica de Piers Faccini
+ Cass Mccombs, O anfitrião por excelência
+ Wim Mertens, Pedaços minimalistas
+ Peter Broderick ou o mago do piano?
+ Ternura na voz e Pop nas teclas, Scott Matthew e Rodrigo Leão
+ Andrew Bird, O canto elegante do violino
+info em http://www.misty-fest.com/ | https://www.facebook.com/MistyFest/
Texto – João Castro
Fotografia – Luis Sousa
Evento – Misty Fest 2016
Promotor – UGURU