“E ao domingo, Deus descansou”. O último dia da semana esteve sempre intrinsecamente ligado ao repouso, ao absorver de energias para enfrentar uma nova semana de trabalho com maior proatividade do que aquela que passou, mas menor do que aquela que virá dali a sete dias. Contudo, há quem faça exatamente o contrário e aproveite o último dia de fim-de-semana para o gozo e lazer; a pensar nesse último grupo, o Jameson Urban Routes abriria as portas da sua edição de 2016 pela última vez no passado dia 30. Em jeito de consagração pelo brilhante desempenho que teve na tarefa de animar a cidade de Lisboa durante aquela semana, a entrada era livre para todos aqueles que quisessem terminar a semana em grande, talvez em jeito de recompensa para o fiel público do festival.
Como a melhor maneira de terminar um evento é em festa, o cartaz para a derradeira sessão seguiu tendências mais direcionadas para a eletrónica, desde a vertente hipnotizadora dos Liima até ao festim dançável de Vive Les Cônes – antes, houve ainda a exibição do documentário Tecla Tónica e do DJ Set de Le Guess Who. Todavia, a noite foi marcado para atuação das duas bandas, com os restos mortais de Efterklang e Tatu Rönkkö a assinalarem o momento mais alto de domingo.
Quando uma banda sai de palco com o público a entoar o seu nome, sabe-se que o dever foi cumprido com distinção, especialmente quando levam sorrisos de bochecha a bochecha; assim terminou o concerto dos Liima, com os dinamarqueses a selarem cada vez mais a relação amorosa para com o nosso país. Já no ano passado apresentaram-se na mesma sala – numa altura em que nem identidade tinham – mas desta vez, a existência de um disco no currículo, o aclamado II, deixou a plateia completamente rendida (numerosa, saliente-se). Entrando em palco ao som do tema principal da série Jurassic Park, com muitas palmas de boas vindas como eco, Casper Clausen, Mads Christian Brauer e Rasmus Stolberg, este último envergando um bigode muito ‘Pablo Escobariano’, deixaram logo ponto assente que os tempos de Efterklang já lá vão: o rock experimental do maior fenómeno dinamarquês dos últimos tempos é posto de lado para dar vida a uma valsa entre teclados e sintetizadores, dando fruto a uma eletrónica que consegue funcionar tanto como impulsionador de momentos de dança assim como de terapia de choque, com a banda a saber equilibrar ambas as facetas.
Com “People Like You” e “Trains In The Dark” a abrir a um ritmo estonteante, dando início a umas coreografias ligeiramente influenciadas pelo estado de transe que se vivia no MusicBox, os Liima começaram desde cedo a tecer inúmeros elogios ao público português, confessando ser um dos seus favoritos e a quem dedicaram “Woods”. Dada a incrível devoção que os portugueses nutriam (nutrem?) pelos Efterklang, esta foi a escolha mais acertada para tema a ser dedicado ao nosso país, com a forma como Casper se entrega ao microfone – tombando em cima do palco – e sem qualquer tipo de ruído a acompanhá-lo, sendo reminiscente dos tempos de outrora… isto até a nova adição que encontraram em Tatu Rönkkö romper pelo silêncio através do estrondo das suas baquetas em diversos objetos do dia-a-dia – panelas, taças de gatos, chávenas de chá – que constituem uma bateria improvisada, tudo posicionado, e preso por fita-cola, a uma tábua de engomar. Original, no mínimo.
Mesmo com um disco fresquíssimo e que, surpreendentemente, pouco se ouviu em hora de concerto, o quarteto optou antes por mostrar músicas a integrar o seu segunda longa duração, com data de lançamento prevista para o próximo ano. Entre as novas músicas, destacaram-se “The Shining”, que utilize samples do assobio de Jack Nicholson da película que lhe dá nome e “2 Heart”, onde aventuram-se a fundo pelos caminhos da eletrónica e utilizam auto-tune de forma inteligente (algo que falta a esta técnica) e que criou um autêntico salão de dança na sala de concertos do Cais do Sodré. Contudo, a festa culminou ao som do maior sucesso da banda, “Amerika”, onde o teto do salão explodiu para que a felicidade emitida pelos corpos dos presentes tivesse a bênção das estrelas, porque da banda, tinham de certeza.
Não querendo dar a festa como terminada, houve ainda tempo para mais três temas, com um deles possuidor de uma história peculiar; “esta música foi feita quando visitámos a Madeira, e quem já lá esteve, vai entender o porquê. Não sabemos se está tão bonita como a ilha, mas tentámos o nosso melhor para tal”, anunciaram antes de uma belíssima “Black Beach”, um dos temas mais forte do disco e que trouxe a mesma beleza para palco. Para terminar, “1982” e “Jamaica”, ambos temas novos, levaram à apoptose da alma e do ser, com o turbilhão de felicidade que acontecia no interior a atingir níveis tão elevados que acabaram por se soltar cá para fora, proporcionado danças espontâneas e humanas: eram genuínas, era o excesso de felicidade a transbordar pelo corpo. Tudo isto só seria possível de alcançar por uma grande banda, e naquela noite, foi esse mesmo o papel que os Liima desempenharam, recebendo múltiplos “Liima, Liima, Liima” como forma de agradecimento. E a banda bem que gostou, tendo ido agradecer a quase todo o público quando o concerto terminou.
+ fotos na galeria JUR’16 Dia 30 Llima
Encerrado o capítulo de nome Liima, a noite também pareceu ficar por ali para muitos: houve um incrível esvaziamento da sala depois dos dinamarqueses terem arrumado o seu material, talvez justificado pelo facto de no dia seguinte ser dia de trabalho novamente. Quem se rendeu ao cansaço e ao dever, perdeu a derradeira festa de despedida do Jameson Urban Routes, levada a cabo pelos Vive Les Cônes, dupla francesa que reside no Porto e que raramente troca a invicta pela capital – mas lá está, a noite era de festa. Esta foi feita na mesma, não pelas centenas que se previa mas por três dezenas que se comportaram como milhares.
Surfando numa onda bem mais descontraída do que Liima, a fórmula dos franceses é do mais básico (e eficaz) que pode existir, com dois tipos com teclados a passar música saída dos anos 80 e 90, com momentos que relembram o eurodance que vigorava na época e que ainda hoje vem à calha, animando-nos ainda mais do que na altura. E era exatamente isto que se pretendia: com a tarefa praticamente impossível de superar o concerto anterior, os Vive Les Cônes nem o tentaram, optando antes por alegrar a malta que não se rendara ao cansaço nem às obrigações da semana, recorrendo a versões de Harry Potter ou Darude para arrancar sorrisos; sim, isto aconteceu. Face a este cenário de diversão, geraram-se círculos de dança com ‘battles’ pelo meio, (tentativas de) crowdsurf, invasões de palco, … Enfim, tudo o que se podia esperar de uma cambada de vintes e trintões que se criam divertir e ser divertidos. Quem disse que velhos são os trapos?
+ fotos na galeria JUR’16 Dia 30 Vive Les Cônes
Dançou-se, celebrou-se e rejubilou-se. Foi assim o último dia do Jameson Urban Routes, pairando no ar a certeza que o festival indoors do Cais do Sodré está para durar, tornando a última semana de outubro como a mais festiva do outono. Para o ano, lá estaremos novamente.
O Música em DX é parceiro oficial do Jameson Urban Routes 2016. Toda a informação estará disponível no nosso website em Reportagens > Festivais > Jameson Urban Routes > 2016.
Os artigos e fotografias de cada dia estão disponíveis em:
+ JUR’16 dia 24, Prelúdio emotivo com ecos de criaturas celestiais
+ JUR’16 dia 25, O calor tropical dos heterónimos
+ JUR’16 dia 26, A dança dos noctívagos
+ JUR’16 dia 27, Entre dois mundos o equilíbrio
+ JUR’16 dia 28, O universo paralelo de Sensible Soccers e estrondo de The Comet Is Coming
+ JUR’16 Dia 29, O dia em que o sol irradiou felicidade
+ JUR’16 Dia 30, a tónica dominante que é a dança
+info em http://jamesonurbanroutes.com/ | https://www.facebook.com/JamesonUrbanRoutes/
Texto – Nuno Fernandes
Fotografia – Ana Pereira
Evento – Jameson Urban Routes 2016
Promotores – Musicbox Lisboa | Jameson