Uau. Foi a primeira coisa que me veio à cabeça, e prometi a mim mesma começar assim este texto, quando vi Sarah Neufeld subir ao palco do Musicbox. E não, não é só pela sua beleza, mas muito mais pela sua energia – forte, ao mesmo tempo delicada, simpática e determinada. Abraçada ao violino, começou a noite com dois temas a solo, ainda sem qualquer tipo de percussão ou samples, o suficiente para nos deixar arrepiados desde início. Os temas com que começou levaram-me a entrar num universo algo noir. Quase que podia sentir texturas a emergir do violino e a rodearem-nos. E ao terceiro tema, quando a bateria é habitada, as músicas ganham outra vida e outras personagens.
É incrível a capacidade e resistência necessárias para se tocar violino daquela forma, tão intensa, durante pouco mais de uma hora. No tema homónimo ao disco, criou-se uma tal dinâmica que foi impossível não oscilar de uma postura mais estática, impossível de largar em temas mais solenes, para outra em que o corpo ganhava vida própria e corria por cima de cada acorde, de cada batuque. A voz, tradicionalmente usada como um veículo lírico na música, é antes fortemente usada como mais um instrumento, como mais uma linha que tece um enredo versátil entre a animosidade e a sensibilidade, recorrendo aos tons agudos com frequência, criando uma aura com laivos de dramatismo.
Sem dúvida que um dos pontos fortes do concerto de Sarah Neufeld, para além da sua qualidade inequívoca enquanto artista, é a sua postura. Tenho de reforçar a simpatia e o calor da Sarah com o público, mas também a sua postura segura, firme. Também a performance na percussão me chamou à atenção pelo facto de a conjugação entre os dois conseguir ser tão harmoniosa quanto dissonante, revelando uma beleza tão certa quanto, por vezes, inesperada. Chamou-me a atenção a forma como várias texturas foram sendo criadas entre violino e bateria, principalmente num tema em que a bateria foi tocada com as próprias mãos – o bater nos pratos, o arranhar a pele dos tambores com as unhas, a batida quase ritualística em alguns momentos.
The Ridge, o novo disco de Sarah, membro dos Arcade Fire, foi o mote para esta noite em Lisboa, mas há muito mais que a liga ao nosso país. Para além de o disco conter fotografias de paisagens de Portugal, a artista diz que Lisboa é uma das suas cidades preferidas no mundo e quem esteve lá na noite de Segunda-feira pode também admitir, sem qualquer pejo, que ela também é uma das nossas violinistas preferidas. Dizem que foi noite de uma Lua Cheia Especial. A maior vista em não sei quanto tempo e que só se voltaria a ver daqui a outro tanto. Antes de entrar no Musicbox, a Lua, que me perdoe, não estava nada de extraordinária. Depois de Sarah Neufeld subir ao palco, percebi o porquê da timidez da lua. Que volte sempre!
Texto – Sofia Teixeira
Fotografia – Luis Sousa