Podia começar a história com um era uma vez, mas seria demasiado cliché. Mas, não vou desperdiçar a oportunidade de usar um. Sexta-feira 13 foi dia de espantar todos os azares, gatos pretos, espelhos partidos, e mostrar que o hip-hop português está mais vivo que nunca e em boa forma, como um Musicbox lotadíssimo pôde ver com as performances de Mike el Nite & Nerve, com a primeira parte a cargo do L-Ali.
L-ALI
Por hábito, o Musicbox (e como todos os espaços ali no Cais do Sodré) começa os seus concertos com algum atraso. Não foi o caso com a primeira parte do L-Ali. O lisboeta começou ainda o espaço ia a metade da ocupação, mas isso não fez demover as suas intenções de apresentar o seu trabalho. Num ambiente tenso, denso e intenso, o rapper explorou as batidas dos seus trabalhos “O Conto” e “Baco”.
A primeira grande explosão foi quando Mike El Nite subiu ao palco para ajudar no tema “Banghello!”, que ecoou como nas montanhas o refrão “o gesto mais indigesto”. O público esteve a partir daí mais sintonizado com o L-Ali, que se despediu com o tema “Pede para cagar e sai”, que pelo seu refrão catchy fez com que saísse em aplausos, juntamente com a promessa que irá lançar material em breve.
NERVE
Pouco depois, com o seu iPod mágico e todo quitado apareceu NERVE. O artista que transforma as palavras em poesia e que por sua vez transforma-as num rap do caraças, arrebatou os presentes com os temas dos álbuns “Trabalho e Conhaque & A vida não presta e ninguém merece a tua confiança”, mas também do álbum, já da outra década, “Eu das palavras não troco a ordem”.
Podemos falar de dois estilos de rap diferentes, em que o trabalho mais recente revela um amadurecimento do artista, em que a perspectiva existencialista vem à toa, através das suas letras irónicas e porventura ácidas. A introspectividade é um tema recorrente ao longo de temas como Monstro Social ou Cidade Perfeita. Mas é com temas como Nós e os Laços, ou Subtítulo que Nerve e público se transformam em um. (Nota curiosa para a correção feita à letra. A correcção feita ao erro na gravação é alcançada ao vivo. Já não é “quero que mais se foda o Texas”, mas sim o “Tennessee”.)
Outra performance que cortar o fôlego, mas ficamos sem energia quando entra em palco o Mike el Nite.
MIKE EL NITE
Sem perder tempo, canta-se ao vivo um tema que já tínhamos ouvido pela primeira vez no Vodafone Mexefest e que tinha sido dado a conhecer ao longo da sexta feira, o Funeral.
Explosivo e corrosivo, a sátira à sociedade é mais que muita (até com as referências ao Web Summit mas também ao violador de Telheiras). Seja como for, embora haja a presença de um certo negativismo, “ Tudo vestido de vestido preto porque a vida é um funeral”, convém fazer aviso às tropas que interpretam as músicas à letra, e fazendo menção a um versão do NERVE, “Todas as faixas do álbum são a brincar” (Surpresa cabrão, para os mais curiosos).
Faça-se justiça ao justiceiro. Foi pouco tempo e soube mesmo a pouco. O artista de “Zona T finest” sabe fazer render aquele que foi um dos melhores álbuns do ano passado. O Justiceiro acaba por ser rastilho para um público que parece pólvora. Horizontes, “das melhores versões que se ouviu ao vivo”, ou Santa Maria, o mais belo tributo que se podia fazer ao Eu Sei Tu És, da banda de sucesso dos anos 90, fizeram deslocar as paredes do Musicbox uns cms para o lado.
Já sob a promessa da repetição do concerto, é sempre a abrir que percorremos temas como o profundo Drones (com o L-Ali), ou Oliude. Os EPs Rusga para concerto em G menor e Vaporetto Titano não são postos de posta, tal como não é esquecida um dos amigos mais próximos do rapper, a do Profjam com o Mike. Se Água Fria é um dueto que vemos no último álbum, não podemos esquecer que foi o Mambo nº 1 que os atirou para a catapulta do sucesso.
Em Novembro e em Dezembro tivemos a oportunidade de conhecer uma daquelas alianças mais fortes que está a ser construída no rap português. Sexta 13 foi a consagração de dois artistas que terão com toda a certeza voos bem altos.
Texto – Carlos Sousa Vieira
Fotografia – Luis Sousa