Os lisboetas You Can’t Win, Charlie Brown (YCWCB) andam em digressão pelo país e na mala trazem consigo o seu mais recente registo Marrow, editado em outubro de 2016. Ontem foi a vez de assentarem arraiais no CCB, com um concerto que marcou o início das hostilidades deste novo ano no que a esta banda diz respeito, como também a abertura do ciclo de concertos denominado CCBeat.
Depois da atuação de apresentação do novo disco no Lux Frágil, deu-se agora o regresso do sexteto à capital, com um espetáculo no grande auditório do Centro Cultural que é de Belém, mas que nesta noite foi também de Afonso Cabral, David Santos, João Gil, Luís Costa, Salvador Menezes e Tomás Sousa. São estes os nomes dos seis senhores barbudos que ontem arrastaram o CCB para alguns dos melhores álbuns portugueses editados nos últimos anos.
A sala maior do Centro Cultural de Belém não estava cheia, mas apresentava-se bem composta o suficiente para que a noite tivesse tudo para ser especial, tanto para os YCWCB como para o público presente, sendo uma parte dele composto por amigos e familiares dos membros da banda, algo que se pôde constatar aquando da apresentação de cada um deles. Por se tratar de uma atuação diferente do habitual, a banda trouxe consigo alguns convidados, nomeadamente um trio de cordas e um coro formado por seis vozes femininas: Catarina e Margarida Falcão (Golden Slumbers), Francisca Cortesão e Mariana Ricardo (Minta & The Brook Trout), Margarida Campelo (Real Combo Lisbonense) e Selma Uamusse.
A primeira ideia que se retira de um concerto dos YCWCB é a de que estamos perante um grupo de amigos que não tem qualquer problema em assumir essa situação mesmo quando estão em cima do palco. Essa amizade que os une é por demais evidente, principalmente nos intervalos entre os temas, em que de forma improvisada dialogam entre si, com palavras carregadas de humor que arrancam quase sempre algumas gargalhadas da plateia. A este nível, destaca-se David Santos (também conhecido por Noiserv), sem dúvida o mais inspirado quando se trata de “encher chouriços” nas pausas entre as músicas, realçando que o peixe que tinha comido ao jantar estava muito bom e na tentativa de explicar o conceito de pós-pós-laboral, correspondendo este a um pouco mais de tempo do que o simples pós-laboral.
Outra ideia interessante revelada pelo sexteto é o facto do projeto YCWCB estar nas suas vidas em regime pós-laboral, levando isso a que haja uma maior liberdade criativa a todos os níveis. Cada um tem o seu trabalho – em alguns concertos alguns deles até têm de ser substituídos por outros músicos, que a banda também fez questão de convidar para esta noite – e terminado o horário de expediente a reunião de amigos em vez de se realizar dentro de um bar qualquer, é numa sala de ensaios, e em vez de copos e de conversas sobre futebol, preferem pegar em instrumentos e começar a tocar.
Como previsto, foram os temas de Marrow a dominar a set-list apresentada durante as quase duas horas de concerto. Apesar do seu parto ser recente, podemos constatar que o mesmo já foi bem assimilado e digerido por quem ouve música com atenção. Não é que durante a interpretação dos mesmos o público se manifestasse por aí além, mas a atenção com que devoravam as notas e os sons que saiam das colunas – com uma qualidade invejável, numa das salas com melhor acústica do país – e se manifestavam quando cada um dos temas acabava, revelavam que apesar de não o exteriorizar, por dentro eram muitas as sensações positivas que aquelas notas provocavam dentro de cada um.
O concerto abriu com Above the Wall, a faixa de avanço do mais recente álbum. No final desta, Afonso Cabral informa o público de que a banda tudo fará para aquecer o ambiente, numa clara alusão ao frio que se fazia sentir no exterior. O palco era simples, mas eficaz, destacando-se uma linha luminosa horizontal a preencher a parte de cima do cenário de fundo. Com After December, do penúltimo álbum, sobe ao palco o já referido coro feminino, que muito enriqueceu as interpretações dos temas em que participou, independentemente da excelente voz de Afonso Cabral e das extraordinárias harmonias vocais que a banda normalmente apresenta. O trio de cordas teve uma participação mais discreta, mas mesmo assim enriquecedora para o resultado final. A presença do coro e da secção de cordas, vieram também dar um novo brilho e novas cores a temas mais antigos e já muitas vezes tocados.
Os dois primeiros trabalhos – Chromatic e Diffraction/Refraction – não foram esquecidos, nem o poderiam ser, tantas as músicas marcantes que por lá encontramos. Confirma-se que Be My World é sem dúvida um dos grandes temas feitos em Portugal na última década. A melodia e a eletrónica cruzam-se de forma exemplar, como só alguns o conseguem fazer. E os YCWCB são mesmo isso, a mistura com delicadeza e requinte de uma série de universos musicais bem distintos uns dos outros. Cada membro enriquece o resultado final com as suas ideias e as suas vontades e todos eles dão um toque bem pessoal através da forma como abordam cada um dos muitos instrumentos que ocupam o palco do CCB. A bateria recorre aos pratos principalmente no acompanhamento dos ritmos e quase nunca como um ponto final de um qualquer break ou para vincar uma variação rítmica ou melódica. As guitarras ou são acústicas e baseadas na folk pura e dura, principalmente quando recordam os temas da sua fase inicial, ou então, quando recorrem à eletricidade, optam quase sempre pelas Telecasters, de onde saem as notas que depois ainda serão processadas por diversos efeitos antes de chegarem aos nossos ouvidos.
Foi já no único encore da noite que regressámos a 2009 e ao primeiro registo dos YCWCB – o EP homónimo –, Sad Song foi o tema que levou a banda a pedir ao público para a acompanhar no cantar de uma parte da música.
Este é um projeto que desde o seu arranque conquistou o público e a crítica e este espetáculo no CCB foi o demonstrar de que estamos perante um dos vários casos sérios surgidos na música portuguesa nos anos mais recentes. O sexteto lisboeta mostra uma tremenda competência e uma alegria imensa na atividade que desenvolve em cima do palco. Esta noite foi de vitória e de consagração para os You Can’t Win, Charlie Brown.
Texto – João Catarino
Fotografia – Luis Sousa