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Entrevista com os Corvos: “A música instrumental tem uma vantagem em relação à palavra, é muito mais livre”

Para comemorar os 18 anos de vida do projeto, os CORVOS agendaram para este sábado – 4 de fevereiro – um concerto no Centro Cultural Olga Cadaval (Sintra), onde voltarão às suas origens, revisitando reportório dos Xutos & Pontapés. Será também um espetáculo de homenagem a Cláudio Panta Nunes, membro da banda durante mais de uma década e falecido no primeiro dia deste ano. Falámos com Tiago Flores (2º violino) e Nuno Correia (baixo) e ficámos a saber mais pormenores de como será este evento comemorativo.

Música em DX (MDX) – O concerto do próximo sábado foi anunciado ainda antes do falecimento do Cláudio. Esta situação fará com que o espetáculo se torne ainda mais especial e diferente do que era para ser originalmente?

Tiago Flores – Para nós… para a nossa psicologia, a nossa filosofia, a nossa maneira de viver e de ver as coisas, um concerto é sempre especial. A ideia de comemorarmos os 18 anos, que partiu também do Cláudio, vai ser muito especial e emotivo. Mas vai ser difícil, será o primeiro espetáculo sem o Cláudio.

MDX – Acrescentará então uma nova dimensão?

TF – Uma dimensão triste e melancólica. Vamos ter que ter muita força. Eu já aqui começa-me a faltar as palavras, então quando tiver que me dirigir ao público será difícil. Mas a casa parece que está a ficar composta…

20170124 - Entrevista - Corvos @ Lisboa

MDX – O espetáculo será constituído por um regresso às origens e ao revisitar de temas dos Xutos & Pontapés. A ideia será trazer para a vossa formação atual, onde agora se inclui bateria e baixo, aquilo que fizeram numa outra realidade distinta?

TF – Claro. Tem a ver com a nossa progressão como banda. Fomos acrescentando, gradualmente, alguns instrumentos que achávamos que nos beneficiariam, daí a bateria, primeiro, e depois o baixo. E convidámos aqui o Nuno Correia para se juntar a este maralhal. Em relação aos temas [dos Xutos & Pontapés], temos alguns do primeiro álbum, mas resolvemos fazer outros. A maioria são arranjos novos. Para se fazer a discografia dos Xutos & Pontapés é muito difícil, porque eles têm muitos álbuns e têm muitas músicas boas. Todos nós que gostamos de Xutos & Pontapés… e é um facto, eles têm muita qualidade. São muito talentosos. Por isso é que eles ainda existem e têm o sucesso que têm. Se não fosse assim, para um quarteto de cordas, por mais que nós tentaríamos, aquilo não iria soar a nada. Por isso é que para nós foi fantástico.

MDX – Podemos esperar algo mais do que os temas dos Xutos & Pontapés?

TF – Só temas dos Xutos, exceto na homenagem que vamos fazer ao Cláudio, onde será um original.

Nuno Correia – E posso já acrescentar que vai contar com o pai do Cláudio, que vai tocar connosco. Ele toca contrabaixo.

TF – Foi nosso colega, meu e do Pedro [Pedro Teixeira Silva, 1º violino], no Conservatório. É um músico de primeira água. Nós convidámos e ele aceitou tocar connosco, a muito custo, vai-nos custar a todos.

MDX – Ao nível dos convidados especiais, podem já adiantar mais alguma coisa?

TF – Sim. Conseguimos algo fantástico para nós, vamos ter o Tim, que vai lá estar connosco nesta celebração da música deles.

MDX – Mas o Kalú é que é o vosso padrinho?

TF – É, mas ele não pode. Não está cá. Nós queríamos convidar todos os Xutos individualmente, mas alguns não estavam disponíveis. O Tim disse que sim. É uma mais-valia para o público que vai ver.

MDX – Olhando para trás, como analisam os vossos 18 anos de vida? Não é vulgar comemorar-se os 18 anos, são mais os 10, 15, 20 anos.

TF – Nós comemorámos os 13 anos no CCB. Agora estamos a comemorar os 18. Os 20 é provável… coisa que eu nunca pensei, que os Corvos chegassem aos 18 ou aos 13 anos.

NC – Já agora, ainda acrescentando à conversa dos 18 anos… eu estou com eles desde 2010, mas conheço os Corvos desde o princípio.

TF – Mas só agora foi oficializada como elemento da banda.

MDX – Nestes 18 anos, quais foram os melhores e os piores momentos? O que mais vos marcou pela positiva e pela negativa?

TF – Gosto sempre de destacar o nosso primeiro concerto, quando os Xutos comemoraram os seus 20 anos de carreira no Pavilhão Atlântico. Para já, por ter sido o primeiro. Para nós foi assim uma experiência de que nunca mais nos vamos esquecer. Nós viemos do clássico, estudamos música desde os 5 ou 6 anos, e, de repente, vimos uma banda rock e as coisas aconteceram até chegar aqui. Estavam 18.000 pessoas. Lembro-me de tocarmos o primeiro tema, estávamos receosos, e eu nem levantei os olhos. No tema que nós tocámos sozinhos, eu levantei os olhos e ver aquela multidão toda é uma sensação que ainda perdura, passados 18 anos. A energia positiva que o público pode transmitir a um músico é algo difícil de transmitir por palavras. Esse concerto para mim foi marcante. Falar das coisas más é sempre desagradável, basicamente a pior coisa que nos poderia ter acontecido foi o que aconteceu agora. As pessoas chatearem-se… já tivemos elementos, alguns dos fundadores da banda, que saíram, mas isso é normal, há personalidades diferentes, há ideias diferentes, as vidas mudam, mas estamos todos ainda cá e se for preciso, quando a coisa aperta, as coisas resolvem-se. Esta situação atual é que é mesmo muito difícil.

MDX – E em relação aos últimos 18 anos da carreira dos Xutos & Pontapés, o que têm a dizer dela? Há músicas que a banda tenha composto desde aí que faça sentido incluir agora no vosso espetáculo?

TF – Sim, o Ai se Ele Cai. Nós, às vezes, pensamos: que tal tocar esta, que tal aquela, que tal outra… e nem sabemos de que álbum são. Eu acho que os Xutos & Pontapés são, e sempre serão, uma banda de topo, pela sua organização, pelo seu talento musical, talento literário, o não ter medo das palavras, o dizer as coisas que têm de ser ditas… não têm medo. Têm sido muito acarinhados pelo público e têm aglomerado gente mais nova. Como pessoas são fantásticos e muito humildes.

NC – Essa pergunta dos Xutos faz-me lembrar: então e os últimos 30 anos dos Rolling Stones?! Eles conseguem, ou aprenderam a saber, manter-se e isso é o mais importante e o mais difícil.

TF – Todas as pessoas têm os seus gostos estéticos, gostam mais desta banda ou mais daquela, e há muitas bandas que às vezes ao tentarem reinventar-se, ao tentarem explorar novos mercados, novos públicos, perdem os antigos, ou perdem a essência daquilo que os fez chegar onde estão. O que [os Xutos & Pontapés] têm feito tem sido muito bom. Têm mantido a sua estética musical e a sua postura perante a sociedade. São coerentes com eles próprios. Tenho a certeza absoluta que ainda têm um prazer enorme em tocar para o público, de fazer coisas novas, de editar mais álbuns e de fazer música.

NC – Eu acho que a reinvenção deles é feita nos próprios álbuns originais de cada um, o Kalú, o Tim…

TF – Sim, os projetos paralelos. Dessa maneira, eles conseguem contornar a criatividade individual de cada um e mantêm os Xutos como o seu bebezinho, que eles vão sempre proteger.

MDX – Não vos dá, por vezes, a vontade de ter um vocalista para poderem exprimir por palavras algum sentimento, ideia, ou revolta, que gostassem de passar para o público?

TF – Neste último álbum que lançámos [Corvos Convidam, de 2015], nós fizemos os temas com os cantores originais. Para os espetáculos que fizemos desse mesmo álbum, como logisticamente era impossível ter os dez vocalistas no mesmo dia e à mesma hora para fazer um concerto, arranjámos uma pessoa, o Hugo Claro – um grande abraço daqui para ele – uma pessoa extraordinária, muito humilde e que canta excecionalmente bem… e tivemos um vocalista. Nesse ponto, voltamos àquilo que é a essência de uma banda. Houve quem gostasse, mas também houve pessoas que disseram que os Corvos não eram assim. É impossível agradar a toda gente. Foi uma boa experiência. Nós em 2010, no nosso álbum [Medo] tivemos alguns temas em que cantámos nós e a Né Ladeiras cantou em dois temas. Na tournée desse álbum também cantámos. Temos feito várias experiências ao longo da carreira. Quando me fazem essa pergunta, tenho sempre uma resposta que é: a música instrumental tem uma vantagem em relação à palavra, é muito mais livre. Cada um pode pensar o que quiser. Pomos um título ao tema e aí já estamos a sugerir o que é que queremos dizer. A música instrumental tem essa liberdade, cada um vai para onde quiser. É como ler um livro ou ver um filme, todas as pessoas quando leem o livro depois de ver o filme ficam desiludidas com o filme, porque cada um vê as figuras que está a ler, ou a descrição dos sítios, à sua maneira e o filme é a interpretação do realizador.

MDX – O concerto no Olga Cadaval marcará o vosso regresso aos palcos em 2017, nesta altura quais são os vossos projetos para o resto do ano: mais concertos, disco novo, de originais ou de versões?

TF – Estamos em conversações. Temos que andar para a frente. Para uma banda, é preciso muito espírito de sacrifício e, acima de tudo, muita vontade. A coisa não está fácil nem para os Corvos nem para ninguém. E não estou a falar só dos músicos, estou a falar de toda a gente.

NC – Temos três ideias, mas não as podemos dizer.

TF – Temos três ideias e se nenhuma dessas ideias for para a frente, temos mais, ideias é coisa que não nos falta.

20170124 - Entrevista - Corvos @ Lisboa

Os Corvos tocam no próximo sábado, dia 4, no Centro Cultural Olga Cadaval (Sintra), tendo como convidados o pai de Cláudio Panta Nunes e Tim, vocalista e baixista dos Xutos & Pontapés.

Entrevista – João Catarino
Fotografia – Luis Sousa