Em 1996, os Moonspell editavam Irreligious, o seu segundo trabalho e aquele que levou a banda a afirmar-se em definitivo tanto em Portugal como no estrangeiro. O difícil obstáculo do segundo álbum foi ultrapassado da melhor forma – chegando a ser disco de prata em Portugal, o que para este género musical foi uma proeza –, ajudando também na expansão deste estilo específico em terras lusas. Desse registo, que agora comemora 20 anos – e que foi objeto de uma reedição no ano passado – destaca-se o tema Opium, talvez o seu maior sucesso de sempre.
Como forma de assinalar o 20º aniversário de Irreligious, os Moonspell – Fernando Ribeiro (voz), Ricardo Amorim (guitarra), Aires Pereira (baixo), Pedro Paixão (teclado) e Mike Gaspar (bateria) – agendaram dois concertos especiais e únicos. O primeiro realizou-se em Guimarães em dezembro passado e o segundo este sábado no Campo Pequeno.
Quem se deslocou a esta que é uma das salas de espetáculos mais importantes do país, sabia ao que ia. Os Moonspell – que este ano cumprem o seu 25º aniversário – prometeram tocar na íntegra, e seguindo a ordem original, três dos seus discos: os primeiros dois da sua discografia – Wolfheart, de 1995 o e já mencionado Irreligious – juntamente com o seu mais recente trabalho – Extinct, de 2015. Também relevante foi o facto do concerto ter sido gravado para uma futura edição em DVD. Sem dúvida, uma noite que reuniu todas as condições para ser única na vida dos muitos seguidores da banda de Lisboa.
A lógica de tocar num mesmo concerto três álbuns inteiros e segundo a ordem original, traz à memória a Trilogy dos The Cure – DVD gravado em 2002 em Berlim e editado no ano seguinte, onde a banda britânica tocou na íntegra aqueles que considera ser os seus álbuns mais negros: Pornography (1982), Disintegration (1989) e Bloodflowers (2000) – e, com isso, torna-se interessante fazer aqui um paralelo entre os dois grupos, respeitando as devidas distâncias. A banda de Robert Smith, que abriu portas para muitos destes projetos mais “negros”, conseguiu, da melhor forma, conciliar um lado mais escuro e sombrio com um outro mais pop e mainstream. Arriscaram e deram-se bem, mantendo os fãs de sempre, aos quais foram juntando outros mais disponíveis só para aquela melodia que entra mais facilmente nos nossos ouvidos. Os Moonspell, por seu lado, mantiveram-se sempre fiéis a uma sonoridade específica e a uma forma única de abordar a música, nunca cedendo ao tal mainstream, ou a algo que fosse mais acessível, para com isso captar novos públicos. Assim, e como realçou Fernando Ribeiro, foram precisos 25 anos de muito trabalho e de muita dedicação para que em 2017 chegassem a uma sala da dimensão do Campo Pequeno e à possibilidade de poder avançar para uma grande produção. Nunca foram pelo caminho mais fácil e isso é de louvar.
Nas horas anteriores à abertura das portas, quem não soubesse o que se iria passar era capaz de ficar surpreendido com a muita roupa preta que dominava o centro comercial localizado por baixo da sala de espetáculos e toda a zona envolvente. Outra coisa a destacar era o grande número de seguidores da banda portuguesa vindos de outras pátrias europeias – italianos, alemães, polacos, espanhóis, etc. –, algo que acontece porque os Moonspell são das bandas lusitanas com mais sucesso fora de Portugal – talvez só comparável com o alcançado pelos Madredeus.
As portas abrem uma hora antes do início do espetáculo. Lá dentro, o negro continua a dominar, como também o facto da idade média dos presentes estar ali algures no início dos “entas”. Eram poucos aqueles que terão nascido já depois do lançamento de Irreligious, o que confirma a ideia de que há atualmente uma espécie de fronteira algures nos vinte anos, em que os mais velhos habituaram-se a ter que se esforçar e a lutar para ter acesso à música, e até mesmo para compreender alguma dela, enquanto os mais novos, por terem tudo de uma forma mais fácil e acessível, não se esforçam tanto para descobrir sonoridades mais difíceis de entender. Bom, mas isso é uma outra discussão e felizmente que há sempre exceções à regra.
Antes do início da celebração dos 25 anos da banda – o próprio Fernando Ribeiro realçou que era acima de tudo isso que se estava ali a comemorar – ouviram-se, vindas do PA, diversas músicas que no fundo iam ao encontro daquilo que se iria ouvir durante as mais de três horas de espetáculo. Passava pouco das 22h, quando, ao som dos The Mission, as luzes do Campo Pequeno – que apresentava uma plateia a abarrotar, mas uma bancada com alguns lugares vagos – se apagaram para se dar início à cerimónia.
Desde cedo se percebeu que estávamos perante uma grande produção. A começar pelo som, que para além da qualidade evidenciada, apresentava uma potência tal que levava toda a sala a estremecer. Mas não foi só o som, o palco estava preenchido com os mais diversos artefactos – fumos, fogos, lasers e diversa pirotecnia – e toda a envolvência aproximava-se à do cenário de uma peça de teatro.
Os Moonspell evidenciaram todo o seu profissionalismo e dedicação com um concerto sem falhas, em que tudo está definido ao pormenor e que, por isso, não deixa margem para improvisos. Não há uma nota ao lado ou algo que fuja ao guião previamente estabelecido para aquela noite.
A interpretação dos três registos seguiu a ordem cronológica com que foram lançados. Começaram com Wolfheart, onde dominaram temáticas e imagens ligadas a lobos e a vampiros, e a lua cheia ao fundo do palco não estava lá por acaso. Alma Mater, o último tema do álbum, foi o mais bem recebido desta primeira fase e mesmo de toda a noite. Fernando Ribeiro fez questão de realçar que foi esse tema que lhes permitiu começar a voar além fronteiras. Irreligious veio a seguir e arranca a matar com Opium. Ao fundo do palco surge agora uma imagem idêntica àquela que está presente na capa do disco. Por fim, o registo mais recente – Extinct. Dos três, foi o recebido com menos entusiasmo, talvez devido ao algum cansaço acumulado da parte do público, que no palco a intensidade mantinha-se no topo. Quando voamos dos dois primeiros discos para o mais recente, viajamos 20 anos no tempo, mas no universo dos Moonspell as coisas não mudaram assim tanto e a passagem do tempo é algo que praticamente não existe no universo da banda. A sonoridade manteve-se sempre muito fiel àquela que foi criada originalmente e a única coisa que se destaca em Extinct é a guitarra de Ricardo Amorim, sem dúvida mais presente e mais elaborada. Ao longo de todo o concerto ele e Aires Pereira foram os mais ativos em cima do palco, trocando regularmente de posição entre si.
Os intervalos, de 15 minutos, entre as apresentações dos discos, eram aproveitados por uma banda de música celta para entreter a malta enquanto em cima do palco se mudava de cenário. A juntar aos dois intervalos, tivemos ainda algumas pausas maiores do que é costume entre alguns temas, consequência da gravação do DVD. Tudo isto prejudicou um pouco a dinâmica e o próprio ritmo do espetáculo, fazendo com que ele se prolongasse então para lá das três horas de duração.
Numa noite especial como esta, não poderiam faltar os convidados, ou, neste caso, convidadas – Carmen Simões (voz), Sílvia Guerreiro (voz), Mariangela Demurtas (voz) e Carolina Torres (aqui como atriz) –, que ajudaram a tornar o evento ainda mais especial e onde o principal mestre de cerimónias foi o carismático Fernando Ribeiro, que não se cansou de puxar pelo público, sendo sempre bem correspondido, e de lhes agradecer por toda a devoção que têm demonstrado em relação à banda.
Para os fãs dos Moonspell, esta foi sem dúvida uma noite inesquecível. Para os outros, fica o reforçar da ideia de que estamos perante um projeto onde reina o máximo de profissionalismo, de empenho e muito, muito, muito trabalho.
Texto – João Catarino
Fotografia – Daniel Jesus