Nesta vida, nada é tão efémero como o tempo: ontem éramos crianças que passavam o final de tarde a jogar futebol com amigos e hoje somos jovens-adultos prestes a embarcar no mercado de trabalho. O tempo passa a uma velocidade estonteante, aliás, chega mesmo a ser assustador quando reparamos que um filme, livro ou álbum celebra, em 2017, vinte anos de existência, como são os casos de “Titanic”, “Harry Potter e a Pedra Filosofal” ou o OK, Computer dos Radiohead. Focando-nos neste último aspeto, mais concretamente na música que se faz por Portugal, Farewell, o primeiro longa-duração de Sean Riley & The Slowriders, acaba de cumprir dez anos desde que viu a luz do dia pela primeira vez. Na altura, para além de ter sido fortemente aclamado pela crítica, os inúmeros elogios que reuniu levou a que a banda tivesse uma das melhores estreias de lançamento do que há memória.
Dando continuidade a um excelente primeiro disco, seguiram-se Only Time Will Tell e It’s Been A Long Night, até que se seguiu uma breve pausa na banda para que os seus membros se focassem em outros projetos – realça-se o do frontman Afonso Rodrigues com os Keep Razors Sharp – até um eventual retorno aos estúdios para o quarto trabalho da banda, o homónimo lançado no ano passado. Este disco, apesar de todos os elogios de que foi alvo, ficou marcado pelo desaparecimento do baixista Bruno Pedro Simões, uma sombra que pairava sobre o eventual futuro de Sean Riley & The Slowriders. Apesar de todo este cenário entristecedor, a banda decidiu prosseguir com o projeto, atuando em festivais de renome como o NOS Alive e o Vodafone Paredes de Coura para plateias numerosas – em ambos tocaram em horas tardias, algo pouco comum no que toca à presença de artistas portugueses e que só vinha a confirmar a sua qualidade enquanto banda.
No passado dia 4 de fevereiro, essa mesma qualidade justificava um feito (quase) inédito nos concertos a ocorrer no Pequeno Auditório do Centro Cultural de Belém, em âmbito CCBeat: sala esgotada. Pouco faltava para as nove da noite – hora marcada para o início do concerto – e já quase todos os lugares da plateia e das laterais já estavam ocupadas, num dos melhores cenários que uma banda poderia exigir daquela sala, uma das de maior renome em todo o país. Com o apagar das luzes e o (suposto) desligar de telemóveis, ecoava uma passagem da obra “On The Road” de Jack Kerouac, reminiscente do desaparecimento do Bruno e uma forma de homenageá-lo, mostrando que a sua presença estará sempre com a banda. Enquanto o nome de Dean Moriarty era repetido constantemente já no final do excerto do livro, Afonso Rodrigues, Filipe Costa, Filipe Rocha e Nuno Filipe, este último a exercer as funções de baixista, sobem finalmente a palco sobre uma acolhedora chuva de palmas para dar início à noite.
Para dar início às celebrações, “Intro (Flying Back)”, “Walking You Home” e “Harry Rivers” serviram de prenúncio para um concerto que seria mais em género de best-of do que propriamente de promoção para Sean Riley & The Slowriders, algo que parecia estar a sacear o desejo do público que tinha partido em busca por um belo concerto. Para estes a trupe de Afonso tinha preparado um belissímo jogo de luzes cuja iluminação incorporava-se dentro dos temas para oferecer uma experiência completa tanto a nível visual como auditivo – o final de “Walking You Home” foi sublime. Ao apostar em formas de centrar o olhar no palco, era notório a forma como em pouco mais de três músicas a forma tinha prendido o público no seu espectáculo, recebendo intensas palmas como moeda-de-troca.
Face à concentração que o público demonstrava, rendido para com a entrega da banda, o quarteto de senhores sentiu-se como impulsionado a dar o melhor de si e a tocar de forma exemplar, não se apontando qualquer tipo de falha ou desleixe. Tocando juntos já faz tempo, os Sean Riley & The Slowriders demonstram uma enorme química enquanto músicos mas também uma tremenda cumplicidade, como se de quatro irmãos se tratassem. Ao longo do concerto, foram frequentes as trocas de papéis a nível de instrumentos, como quando Afonso Rodrigues tomou de assalto os teclados de Filipe Costa para uma viagem no tempo ao som de “Houses And Wives”, contudo, antes que o pudesse fazer, a sala acolheu mais alguns fãs cujos telemóveis a servirem de lanterna captaram logo a atenção do vocalista que, como pessoa educada que é, esperou que os atrasados ocupassem as últimas cadeiras vagas do Pequeno Auditório; “Mas isto é que são horas? Que falta de respeito” gracejava Afonso, arrancando umas quantas risadas por parte da plateia.
Apesar de terem perdido uns belos vinte minutos de concerto, aqueles que não chegaram a horas não perderam aquilo que foi um dos grandes momentos do concerto e que, antecipadamente, tornava-o como um ponto de passagem para qualquer fã de Sean Riley & The Slowriders que se preze: a presença de Mazgani como convidado especial. O cantor juntou-se à banda durante dois temas, um de sua autoria e o restante a pertencer aos seus colegas, “Distant Gardens” e “Everything Changes” respetivamente. Dotado de um timbre vocal arrasador, a voz do iraniano preenchia todo o auditório ao mesmo tempo que levava a um ou outro calafrio pela pele, tudo isto acompanhado pela uma execução sublime por parte da banda, agora com Afonso a dedicar-se puramente à sua Telecaster amarela.
Já com as Mazgani fora do palco – guiado por uma chuva de palmas – o concerto aproximava-se a passos largos do seu término, mas não sem antes culminar com três dos temas mais fortes do mais recente disco da banda: “Gipsy Eyes”, “Greetings” e “Dark Rooms”. Classificar o estilo musical de Sean Riley & The Slowriders é uma tarefa árdua visto que reúne variados géneros, embora dizer que está mais orientado para um cruzamento entre rock e blues não seria totalmente descabido: a forma como um quarteto de guitarra, baixo, bateria e teclados conseguem produzir melodias profundas mas que, ao mesmo tempo, transpiram doçura e energia suficiente para criar peças tão únicas é de louvar – o trabalho de teclas de Filipe Costa chega mesmo a ser uma das armas mais fortes da banda. Para terminar num registo quase a roçar no folk, ouviu-se “Lights Out”, tema de Farewell que encerrou a noite com uma mensagem subliminar a Bruno Simões através de uma projeção onde se lia “King B”, provando que ele estará sempre com a banda, independentemente do tempo que passe. Long live the King.
Com umas últimas palavras de apreço proferidas e uma ovação de pé por parte de quase todo o auditório sedento por mais alguns minutos de concerto, a banda voltaria para um encore que serviu como regalia para um público que demonstrou, durante quase hora e meia de concerto, um bom nível de sabedoria face ao trabalho de Sean Riley & The Slowriders. Com Afonso Rodrigues a informar desde cedo que aqueles temas já não eram interpretados fazia tempo, pediu desculpa se alguma coisa corresse mal – claro que quando se está perante músicos tão capazes, “falhar” é uma palavra que não consta nos seus dicionários. “Buffalo Turnpike”, “B.D.D.” e a inevitável “Sweet Little Mary” serviram como bilhete de despedida e a conquistar novamente uma ovação de pé, tendo esta contado com todo o Pequeno Auditório.
As previsões meteorológicas para aquela noite de sábado ameaçava com alguma chuva a coincidir, precisamente, para a hora do concerto. Curiosamente, quando chegou o momento, o céu estava limpo ao ponto de lembrar aqueles típicos de uma noite de verão, onde contar as estrelas passa quase por passatempo. No céu frio de fevereiro, havia uma estrela cuja luminosidade facilmente a destacava das restantes. Afinal, Bruno Simões esteve no Centro Cultural de Belém. Quer-nos parecer que, onde quer que esteja, saiu com um sorriso nos lábios, assim como todos aqueles que esgotaram a sala.
Texto – Nuno Fernandes
Fotografia – Luis Andrade