O que é ser Punk na era do cinismo e do cansaço? Gritar chavões ideológicos? Apelar ao derrube do “sistema”? Mandar a Indústria à merda? Tudo isso é necessário, sim, mas é redutor tomar apenas essa faceta, porque nem toda a rebelião tem de ser ostensivamente política. Os The King Khan & BBQ Show mostraram-nos no Sabotage como Punk é também fazer o que se lhe dá na real gana e como assistir a um duo em trajes ridículos a tocar rock n’ roll com força de uma multidão pode ser incrivelmente mais libertador face ao sufoco dos dias.
Este espírito indomável que norteia o par de King Khan e Mark Sultan, que aqui assina como BBQ, é uma força avassaladora que nem sempre dá bom resultado. Esta tumultuosa relação já resultou zangas e hiatos e a festa no Sabotage até podia não ter acontecido devido a mais um episódio, como a própria banda o admitiu no fim do concerto. Contudo, pazes foram feitas e essa mesma energia foi canalizada em nome do bem; admita-se que aqui “bem” se define como “meter toda a gente a dançar como se subitamente a sala se tivesse transportado para os anos 60”.
Os The King Khan & BBQ Show radicam as suas inspirações no passado, tomando essa década e a precedente como referências maiores. Despido à mais básica das essências, guitarra e percussão, o seu Rock assume tiradas de dois minutos e picos de riffs e ritmos ora frenéticos ora gingões, não tendo receio de olhar para o R&B e o Doo-Wop como influências. Após subirem ao palco dois senhores demoraram o tempo que quiseram até iniciar Fish Fight – King Khan foi lampejando a sua Fender com frenética intenção e balanço na anca enquanto BBQ estabelecia o ritmo a bombo e tarola malandros. Mais trabalhado é o departamento vocal, dividido entre a entrega gritada de Khan e o crooning (perdoem-nos a falta de tradução, mas nada em português faz jus a esta forma de cantar tão americana) sentido de BBQ. Uma coisa ficou imediatamente patente, é que em vez desta austeridade ser um handicap, é precisamente o que lhes permite atingir a intensidade de arrumar a um canto bandas que abusam de pedais duplos e vinte mil notas por minuto.
Aonde o duo opera um corte com os tempos idos é na postura com que transpõe essas sonoridades para o presente. Se a indumentária porno-apocalíptica não denunciou de imediato as suas intenções, temas hilariantes como Tastebuds (sobre ter papilas gustativas em zonas erógenas) e Teabag Party (não me dignarei a definir o que significa nestas linhas), acompanhados de conversa também ela orgulhosamente javardona, demonstraram que o seu projecto não passa por almejar a qualquer ideia de seriedade. No entanto, o que é verdadeiramente espantoso é que esta faceta pueril convive na perfeição com o despudorado romantismo de roupagens retro de Invisible Girl, Into the Snow e da sua espécie de hino que levantou logo efusiva reacção e que é I’ll Be Loving You.
A razão pela qual isto acontece, num quadro ao qual também podemos juntar os rasgos de Zombie e Kiss My Sister’s Fist (perfeitos para armar zaragata em bares de má fama), é porque os The King Khan & BBQ Show se estão positivamente a cagar e têm tanta honestidade nisso quanto talento para compor canções. Fala-se muito em atitude nas lides do Rock, mas a verdade é que poucas bandas exibem a confiança e o à vontade que foi demonstrado no Cais do Sodré. É quase como se nem lhes passasse pela cabeça que o espetáculo alguma vez fosse correr mal, e não correu. Talvez isso seja ser verdadeiramente livre. Pelo menos é Punk pra caraças.
Texto – António Moura dos Santos
Fotografia – Luis Sousa