Tínhamos a informação que mais uma vez o Coliseu dos Recreios estava esgotado. Os camarotes eram uma alternativa à geral, e a quem não queria deixar de ver o quarteto (+ 1) de britrock. Skunk Anansie, banda londrina oficialmente conhecida com o seu primeiro álbum de originais, “Paranoid & Sunburnt em 1995, e que fez furor até 2001 no registo do rock alternativo britânico (britrock), punk-rock, metal alternativo, o que quiserem. No espaço de 6 anos a banda de Skin (Deborah Dyer, voz e guitarra), Ace (Martin Kent, guitarra), Cass (Richard Lewis, baixo), Mark Richardson (baterista) editou 3 brilhantes álbuns cujo hits como “Weak”, “Charity”, “Hedonism” e “Charlie Big Potato” , ainda hoje arrasam qualquer pista de dança e fazem vibrar as colunas do carro.
Passavam pouco das 21h00 e duas carinhas larocas subiram ao palco do Coliseu dos Recreios. Cabelos compridos com uma franja aparada, as “The Pearl Harts” duas “tiny girls” arrasaram durante os 30 minutos que antecederam os Skunk Anansie, e conseguiram deixar o ambiente aquecido e preparado para o turbilhão inglês.
Com a pontualidade que os caracteriza (e nós de sangue latino, já vamos seguindo o seu exemplo) as luzes da sala apagaram-se e uma cortina preta transparente a correr o palco rebentou-se com um estrondo. Mark sobe para a bateria, Ace pega na guitarra, Cass ajeita o baixo e Skin entra mergulhada no brilho incandescente das letras preto e branco da roupa e de um Cap. Com um sorriso que albergava o mundo, gritou a bons pulmões “And here I stand, Lisbon!” sob o olhar espelhado dos óculos que compunham o figurino. Os decibéis aumentavam em cada refrão, as botas pretas de verniz saltavam em passadas largas e percorreram o palco numa fome de espetáculo. Sem aviso prévio e sem aquecimento, Skin saltou do palco e aproximou-se do público num cumprimento, fazendo as delícias dos fotógrafos que disparavam do fosso.
Duas horas de um verdadeiro frenesim em espasmos energéticos contínuos. Um alinhamento intercalado com os álbuns da fase II da banda (2009, ano em que regressam com Smashes and Trashes e 2016 com Anarchytecture que dá nome a esta tour). “Intellectualise my blackness”, tema controverso onde Skin faz questão de entoar “Blackness” com determinação e uma certa raiva (tira o Cap e os ocúlos escuros). “Because of you” (…I feel nothing), sem casaco e com a camisola preta transparente evidenciando o soutien (e uns abdominais que invejam as quarentonas….). Salto de pantera subtil, ondulações num tronco comprido e perfeito, salientando a elegância do pescoço. “I will break you” (álbum Black Traffic 2012), deixando-se levar pelos braços do público até meio da sala. Com o foco na pantera, quase que esquecemos os magníficos músicos que a acompanham. Ace não tem descanso nas guitarras e nem no prolongamento dos acordes que acompanham os seus gritos limpos. Movimentam-se no palco, numa necessidade de expelir a energia dos membros inferiores. Impossível não ser contagiado por Skin.
Nesta altura um grupo de encharcados em suor saía da frente do palco e caminhava para o bar e, ainda só ouvíramos 4 temas. A noite prometia longa e intensa. “Death to lovers” (Arnachytecture) um dos temas mais fortes do último álbum, em que Skin aprimorou com a projecção de voz (qual soprano do S. Carlos) com tal pujança, que se fez prolongar até às vísceras. O público retribuiu com uma ovação entusiástica, a que Skin pediu para nos acalmarmos pois iria entrar com “My love will fall” (Wonderlustre 2010, tema da banda sonora da série Crepúsculo). A magnífica teclista e segunda voz, juntou-se a Skin e ambas uniram os timbres num despique vocal arrepiante. “Twisted (Every day hurts)”, uma das faixas mais marcantes de Skunk Anansie do álbum Post Organismc Chill de 1999. Curioso, porque estava à espera de uma verdadeira rebelião no público, situação que não se verificou, pois à minha volta era eu a única que estava aos saltos (não tão altos como os da Skin, claro). Ora de pegar na guitarra, “My ugly boy”, para um ligeiro descanso. “Weak”, focada nas cordas da guitarra acústica e os gritos de pantera. Antes de começar a cantar, mandou-nos um sorriso inteiro, como que a dizer-nos “esta é a altura de eu descansar a voz”. E assim foi, “Hedonism (Just Because You Feel Good)”, o Coliseu em uníssono cantou num estado de latência nostálgica. Regressámos 21 anos atrás e vimos o filme das nossas vidas jovens. Arrepiámo-nos sorridentes, e apercebemo-nos que este “Hedonism” foi mais que uma música que nos embalou e encantou, foi um começo de vida.
Raios infra vermelhos fecharam o palco numa cortina de luz, provocando uma imagem incrível de inacessibilidade e beleza fotográfica. “Victim” e “Love someone else”, este último tema talvez dos mais pop-sound. E por isso, complementou o som de pista de dança com um blusão prateado, (ambas as músicas de Anarchytecture, 2016) e com a ajuda da voz da teclista que a acompanhou no vestuário. Com os óculos escuros postos, despiu o blusão e rodopiou-o, “I Believe in you”.
“That sinking feeling” e “God loves only you” numa contestação social e política de luta contra a xenofobia, racismo, homofobia: “Say NO!” De volta a “Smashes and Trashes”, mais um hit editado no regresso do hiato de 8 anos (2001 a 2009) de sabática da banda, “Without you”. Skin apresentou o tema como uma homenagem a Nelson Mandela, composto na África do Sul há 22 anos atrás, “We don’t need who you think you are”. Mais um grito das entranhas “Lisbon!” e a distorção das guitarras vibrou nos nervos mais recônditos dos tímpanos, “Yes it´s fucking political”. Por momentos deixámos de ver Skin, e percebemos que estava no meio da sala. Atirou-se literalmente para o meio da sala, e a cantar deixou-se ser levada (novamente) pelos braços do público até ao palco, “Little baby Swastikka”.
Retirada momentânea da banda para o backstage, e o barulho das tábuas de madeira do chão do Coliseu dos Recreios faziam eco nas galerias! A grande surpresa estava mesmo para o final. Cass num tom de voz afável e como se tivesse a fazer uma confidência, diz que “hoje é um dia muito especial para os Skunk Anansie, pois é o dia do 23º aniversário.” O público bate palmas e canta os parabéns, em português. Depois de tocarem o tema “Spit you”, é trazido para o palco um bolo de aniversário enorme com duas velas (fogo-de-artificio), e o público canta os parabéns em inglês. Skin perguntou se alguém quer beber (embebedar-se) esta noite e pede “portuguese wine”. Provavelmente seria português e era de certeza branco. Skin cortou o bolo como se tivesse a dissecar um pedaço de carne e colocou-o na boca dos músicos da mesma forma delicada. Depois dos festejos, brindaram-nos com “Charlie Big Potato” em dose dupla.
Apesar dos Skunk Anansie serem uma banda recorrente em Portugal, inclusive estiveram numa actuação ao vivo num programa de televisão, são sempre uma boa surpresa. Há mesmo uma forte cumplicidade entre o público português e a banda britânica. Não terá sido um mero acaso a comemoração dos 23 anos no palco do Coliseu dos Recreios. E ainda bem que fomos os felizes contemplados, uma noite que nos ficará na memória pelo menos mais 23 anos.
Texto – Carla Sancho
Fotografia – Luis Sousa
Promotor – Everything Is New