Quando Maria João, um dos expoentes máximos da música jazz feita em Portugal e conhecida do público português através do seu papel enquanto diretora da academia do programa Operação Triunfo, outrora exibido na RTP, recebeu um telefonema de Budda Guedes a requisitar a colaboração da cantora para um disco em conjunto com os Budda Power Blues, a cantora hesitou cerca de dois segundos até confirmar com um “sim” repleto de entusiasmo. A partir daí e num espaço de tempo sensivelmente curto, The Blues Experience ficou terminado e pronto para mostrar como o improvável mundo de três senhores loucamente apaixonados pelas raízes do rock ‘n’ concilia tão bem com todas as mil e uma facetas que esta Mulher – sim, a letra maiúscula é propositada – esconde na voz.
O Pequeno Auditório do Centro Cultural Belém alberga aquela que é, de forma indiscutível, uma das melhores acústicas que as salas para concertos em Portugal têm para oferecer. Mal o relógio tinha passado a marca das nove da noite – hora santa para os concertos no C.C.B. arrancarem – e já a plateia estava praticamente cheia, com apenas ambas as laterais a servir de decoração. Cinco minutos passaram da hora agendada e as luzes apagam-se para dar início a um espetáculo que tinha tudo para ser memorável.
Budda Guedes, Nico e Carl “Pedro” Minnemann posicionam-se junto das suas fiéis guitarras, bateria e baixo, respetivamente, ao mesmo tempo que são acompanhados pela sempre charmosa Maria João, senhora que transpira charme até mais não e que parece ter tomado um antídoto mágico qualquer que a previne de envelhecer, e logo de início brindam ao disco novo com a inaugural “Troubled Mind”, mas engane-se quem pense que o título do tema representa o estado de espírito dos artistas que se encontram em palco; mesmo tendo um timbre com aspetos tão angelicais como o de Maria João a dar voz à causa, a verdade é que os Budda Power Blues conseguem sempre dar o ar de sua graça de forma a impulsionar o concerto a ser mais do que uma banda de blues a atuar num bar todo fancy na alta de Lisboa. Todavia, se há algo que liga esse local ao Pequeno Auditório do Centro Cultural de Belém, é a paixão pela música e o prazer de entreter e dar a conhecer as maravilhas deste estilo para uma, dez ou cem alminhas que estejam dispostas a ter a seu mundo virado do avesso – no bom sentido, claro.
“I Feel So Blessed” ou “Ain’t No Place Like Home” foram apenas alguns exemplos de como a colaboração entre os Budda Power Blues e Maria João tratou-se mesmo de um casamento feliz: a forma em como ambos os temas demonstravam a capacidade destes três habilidosos músicos conseguirem acompanhar os improvisos de Maria João, quando esta soltava todos os seus dotes vocais em momentos dignos de um artista de spoken word, ou até da irrepreensível química que todos mostravam entre canções, ora fosse através de sorrisos contagiantes ou de histórias engraçadas que levantavam um pouco o véu sobre como o The Blues Experience acabou por acontecer.
Antecedendo “By Your Side”, surgiu a história de uma promessa entre Budda Guedes e Maria João sobre uma eventual viagem ao sul da América da Norte, mais concretamente ao Texas, onde entre bebidas e uma bela banda de fundo a montar o ambiente, trocariam uma ou outra dança, momento este que seria testado em pleno palco do Centro Cultural de Belém, com os presentes a acompanhar o passo através de palmas – sempre com um sorriso estampado nos lábios. Momentos depois, a cantora cedeu o palco à banda para que este power trio tivesse o seu momento de estrelato para interpretar “Happy Birthday Blues”, uma música dedicada a “quem fez anos ontem, hoje ou irá fazer algum dia”, provocando diversos risos pela plateia, plateia esta que iria entrar numa competição saudável, proporcionada pelo frontman Budda, quando esta ficou divida em duas de forma a ver quem cantava o refrão do tema mais alto. Para os mais observadores, era possível ver Maria João meia escondida nos cortinados a sorrir de forma efusiva, tal não seria o seu contentamento ao ver os seus meninos a brilhar e a entreter, assim como a divertirem-se no meio de todos os seus improvisos de momento – tal como o blues assim o exige.
Já passada uma hora e pouco de concerto, onde The Blues Experience foi naturalmente a grande atração da noite, chegara a hora de o dar como encerrado, mas não sem antes Budda Guedes relembrar que teriam os seus discos todos à porta do Pequeno Auditório à venda, dizendo, entre risos de persuasão, que todo o público seria generoso para levar uns quantos consigo – informação que foi repetida vezes sem conta durante todo o concerto mas sempre inserida de forma espontânea. Para fechar em grande, nada como terminar com um dos grandes clássicos do rock ‘n’ roll: a intemporal “Whole Lotta Love” dos Led Zeppelin, num momento raro em que tanto Maria João – que vozeirão! – e Budda Guedes partilharam o microfone de forma a alcançar as notas de Robert Plant num jeito tão irrepreensível que o próprio ficaria orgulhoso. Encerrando com uma vénia e palavras de apreço, seguiu-se uma merecida ovação de pé, voltando a banda para um desejado encore.
Numa noite ventosa, onde a fila para a compra dos CDs era interminável, os Budda Power Blues e Maria João demonstraram que, em pleno 2017, a arte de fazer blues continua a soprar com tanta força como acontecia nos anos 60 e 70. Em 1995, quando o filme Pocahontas foi lançado, Susana Félix perguntava-se quantas cores o vento tinha. Doze anos depois, no dia 2 de março, a resposta finalmente chegou: azuis, montes de cores azuis.
Texto – Nuno Fernandes
Fotografia – Ana Pereira