Sabem aquele velho grupo de infância e juventude, com o qual bebemos as primeiras cervejas e fumamos os primeiros cigarros? Aqueles amigos que cresceram connosco, mas que por circunstâncias várias já não cruzamos tantas vezes os mesmos caminhos? Esses amigos são os Korn.
Todos nós mudamos. Fazemos cenas novas, vamos a lugares diferentes, conhecemos outras pessoas. Mas naquele dia em que não entramos em desculpas de olha-para-mim-que-sou-tão-adulto-e-tão-ocupadinho, e decidimos encontrarmo-nos com esses mesmos amigos, a única coisa que podemos saber é que vai ser hostil. Ou acabamos todos a discutir e bebidas quatro cervejas vamos todos para casa – olá Rock in Rio –, ou acabamos numa noite memorável. Daquelas que anos mais tarde, enquanto pensamos na razão de estarmos a escolher o filtro para o sushi e não a beber uma cerveja de meio litro nas margens do Coura, ainda relembramos com alguma nostalgia.
A última vez correu miseravelmente, é verdade, mas não importa. Aliás, nunca importa o que corre mal com os velhos amigos, porque ninguém se vai lembrar disso quando estivermos cara-a-cara. Tiramos as t-shirts pretas do armário, vestimo-nos a preceito, e lá vamos com a devida antecedência, que muitos vêm de longe. Esta noite reunimo-nos no Campo Pequeno.
No palco estava já Gray e os seus Hellyeah a dar as boas vindas a todos os que chegavam antecipadamente e aos que quiseram ficar com o melhor lugar possível. A banda Norte Americana – da qual faz parte o baterista Vinnie Paul, ex-Pantera – aproveitou a presença em Lisboa para apresentar o seu mais recente álbum: Undeniable.
Mais música e menos espetáculo proporcionaram os Heaven Shall Burn, que da Alemanha transportaram o seu Metal mais vincado e instrumental. Donos de uma vasta discografia, revelaram-se um ótimo aquecimento para o que se aproximava. Terem dado imenso trabalho aos seguranças de palco, que tentavam dar cobro ao já muito stage diving, é um dos melhores elogios que se pode oferecer a uma banda que se apresentou em palco antes das 21:00, a um público que não estava ali, na sua maioria, para os ver.
Um Campo Pequeno todo fins de anos 90 ansiava por Jonathan Davis e os seus Korn, até que por volta das 22:00 o microfone criado para a banda pelo suíço Hans Giger aterrou em palco. A partir desse momento não mais o público abrandou: decorridos poucos segundos a banda entra em palco e, sem dizer água-vai, atira-nos com a Right Now e com os seus amiúdes “I fucking hate you”. Percebemos que os Korn não estavam aqui para brincadeiras quando, ainda nos recompúnhamos daquele estalo de Nu-Metal, soam os robustos acordes de Here to Stay. O público respondia à altura, dividindo-se entre atirar cervejas ao ar, mosh e stage diving.
Esta tour trazia na algibeira Serenety of Suffering, o novo trabalho da banda, contudo este álbum apenas deu sinal de si depois de uma assertiva Somebody Someone, entoada num Campo Pequeno em uníssono, e uma robustíssima Word Up. Desta cover de Cameo – cantada sem grande intensidade, diga-se – Jonathan Davis derivou para uma totalmente inesperada e apressada We Will Rock You, dos Queen. O público reagiu num misto de surpresa e exaltação, que se alastrou a todos os que preenchiam as bancadas e camarotes.
Se havíamos recebido com atenção Rotting in Vain, do mais recente disco da banda, agora chega-nos o tema Insane. Os temas deste disco não só não mereceram qualquer desdém da plateia, como se fez sentir bastante curiosidade perante Serenety of Suffering. No entanto, os Korn apresentaram-se nesta noite para fundamentalmente concluir o concerto que não terminaram no Rock in Rio, e talvez por isso optaram por um alinhamento quase em modo Best Of. Mesmo assim, os Americanos não evitaram meter o dedo na ferida, pedindo a uma plateia já conquistada desculpas pelo sucedido no Verão passado, Shit Happens, disseram. Desculpas aceites, a malha que se seguiu era fácil de adivinhar, Davis: Fuck that.
Depois de Salvation, mais um tema do décimo disco da banda, deparamo-nos com um dos momentos da noite. Jonathan surge em palco com a sua gaita-de-foles em riste, interpretando uma portentosa Shoots and Ladders, que só por si deixou mossa na maioria da plateia. No entanto, ainda não satisfeitos com a reprecursão dos seus decibéis, o caos generalizado instalou-se quando a banda interpreta parte da One, dos Metallica. Numa noite que variou entre o forte e o muito forte, Blind e Falling Away From Me foram momentos particularmente celebrados, apenas superados por uma Freak On a Leash, superiormente escolhida para terminar o concerto.
Cobertos pela bandeira Portuguesa, os Korn redimiram-se da recente presença em Portugal, dando um dos mais intensos espetáculos que o nosso país assistiu nos últimos meses. Uma atuação que dificilmente poderá ter deixado alguém defraudado, e que nos levou, mais uma vez, a concluir que: independentemente dos novos conhecimentos que travamos, não há nada como uma bela noite com aqueles velhos amigos com quem crescemos.
Texto – Tiago Pinho
Fotografia – Luis Sousa
Promotor – Everything Is New