Embora com alguns álbuns na algibeira, apenas recentemente os Motorama se aproximaram do nosso pequeno retângulo. A banda formou-se em Rostov-On-Don, remota cidade Russa, e foi cavalgando – a trote médio mas firme – a colina do reconhecimento. As presenças em Paredes de Coura e no Entremuralhas, evidenciaram a sua indubitável qualidade. A proximidade que oferece o Sabotage, realçou uma personalidade muito sui-generis da banda.
A noite foi inaugurada pelos irmãos Adam e Sam Sherry, que compõem os A Dead Forest Index. Os neozelandeses alcançaram a atenção da plateia com a sua sonoridade delicada, mas nada frágil. Temas como Distance, ou Black Mud foram especialmente celebrados, sendo que tanto a voz de Adam, como a bateria, mereceram todas as palavras elogiosas que iam recebendo do público.
O espaço disponível no Sabotage aproximava-se do nulo, indicador da enorme expectativa que envolvia o concerto dos Motorama. Repetiam-se t-shirts dos Joy Division, as idades eram mais díspares do que estas lides nos habituaram, e em palco três semblantes peculiares: tão normais que logravam a atenção generalizada. Depois de, durante a tarde, termos assistido a um Sound Check para lá de meticuloso, estávamos no meio de uma plateia que aguardava pelo concerto, enquanto a banda, com uma calma glaciar, devassava instrumento por instrumento, corda por corda, com o intuito de assegurar que nada lhes falharia.
O Post-Punk dos Russos atravessou os seus quatro álbuns, mas demorou-se especialmente em Dialogues, o seu mais recente trabalho. Os primeiros acordes pertenceram a By Your Side, sob a retina atenta dos presentes, proferindo “Poverty is nothing for you, It’s nothing for me, When I’m by your side”. Algo soturnos e fortemente influenciados pela industrialidade da cidade onde nasceram, é curioso verificar a forma como nos dizem palavras que transportam afecto num molde rude e distante. Torna-se impossível não reparar, também, como o cinzento de Rostov tem um imenso impacto em tudo o que dizem, fazem ou escrevem.
Seguiram-se as perguntas de Tell Me, e as dúvidas e inseguranças quotidianas de Sign. Por mais que Vlad, o vocalista, critique Ian Curtis e os Joy Division – em entrevista exclusiva à MDX, a ler brevemente – são indiscutíveis os vários denominadores comuns entre as bandas. Se as letras mundanas e as manchas de existencialismo são semelhantes, a janela que nos atira com uma floresta de pobreza e suor, é a mesma. Musicalmente, um exemplo disto foi Wind in Her Hair, que após três temas de Dialogues, nos oferece uma fragrância de Alps, primeiro álbum dos Russos.
As músicas iam-se sucedendo sem qualquer uso de vocabulário entre elas. Depois de I See You, Above the Clouds e Rose in the Vase seguiu-se Heavy Wave, notável tema de Poverty. O público rendia-se ao que assistia, não apenas à excepcionalidade da música apresentada, mas também ao carácter quase-Naive da banda: é incrível a simplicidade e inexistência de artificialismo. A discreta fita-cola a esconder a marca das sapatilhas, os seus pequenos e redondos óculos, assim como os seus passos de dança peculiares e aquela voz sóbria, fazem de Vlad um anti-herói. Nada exageramos ao afirmarmos que O Front Man dos Motorama é o contrário do que são a maioria dos artistas do nosso tempo.
Em Loneliness, Corona, e Reflection foi patente a sonoridade anos 80 que nos era amplificada. A bateria, guitarra e teclas tornavam dançáveis músicas que nos pareciam iglos em potência: quando se aperceberam, os presentes tinham as suas pernas a seguirem o ritmo do baixo e os movimentos de Vlad. Do nosso lado direito estava uma rapariga com uns 20 anos, do esquerdo um senhor na casa dos 50, com a sua bem tratada pera em riste. Ambos assistiram à fabulosa e muito agitada To the South e ao inesperado abandono da banda sob um enorme e merecido aplauso.
Ninguém se afastou um milímetro da frente do palco. Não só porque acreditavam tratar-se de um encore, mas fundamentalmente porque a plateia estava a admirar o concerto e queriam, verdadeiramente, mais. Lottery e uma inesperada Deep concluíram uma atuação irrepreensível, provavelmente a melhor que o Cais do Sodré assistiu nos últimos largos meses. Os Motorama têm um charme lento difícil de captar: não são aquela pessoa que se simpatiza imediatamente, mas que após algumas semanas já nem cumprimentamos ou lembramos. São sim aquele tipo que não nos diz muito no início, mas, anos depois, ainda faz parte dos nossos dias.
Texto – Tiago Pinho
Fotografia – Nuno Cruz
Promotor – Musik Is My Oyster