Pensamos bastante como seria entrevistar uma banda que não oferece assim tantas entrevistas, e, nas raras que concede, responde maioritariamente com expressões monossilábicas. Como se lida com uma banda que, do que fomos lendo, responde frequentemente apenas com Foi bom, ou Não pensamos nisso? Bem, quando permanecemos frente a frente com os Russos, estes afiguravam-se exactamente o que deles imaginávamos: pequenos iglos. Quando à primeira pergunta recebemos como resposta um lacónico Correu bem, achávamos que não nos demoraríamos naquela sala. No entanto, não se tornando repentinamente ávidos dialogantes, cinco minutos de entrevista e dávamos por nós a percorrer temas que não estavam no roteiro, ou mesmo – e isto era inteiramente impensável – a sermos alvos de perguntas e da curiosidade de Vlad, o peculiar vocalista dos Motorama.
Música em DX (MDX) – Boa tarde Vlad, obrigado pela entrevista.
Motorama – Vão fazer perguntas interessantes?
MDX – Esperamos que sim, mas vamos começar por uma pergunta leve: como correu o concerto ontem, no Porto?
Motorama – Correu bem.
MDX – Os Motorama já vieram ao Festival Paredes de Coura e ao Entremuralhas. Qual foi a primeira impressão que tiveram de Portugal?
Motorama – A Primeira vez que viemos foi em 2013, acho. Tivemos algum tempo para andar pelas ruas, e ficamos bastante surpreendidos. Acharíamos que seria demasiado semelhante a Espanha, mas não é. Desta vez fomos a lugares novos no Porto, estivemos naquela ponte enorme [Ponte D. Luís]. Amanhã vamos conhecer melhor Lisboa, também queremos ir a Sintra. No geral Portugal é diferente de cidade para cidade, e é também diferente dos países do sul que estivemos. Mesmo as pessoas são diferentes, nos nossos concertos temos imensas pessoas mais velhas, são muito mente aberta, e na altura já conheciam bastante bem a nossa banda. Foi uma surpresa para nós.
MDX – Musicalmente, que diferenças reparas entre o público de Portugal e da Rússia?
Motorama – A principal diferença é que enquanto na Rússia são jovens, aqui são maioritariamente adultos. Durante os concertos a atitude é algo diferente, também. É por aí.
MDX – Quais são as principais dificuldades para uma banda de Rostov crescer no mundo da música?
Motorama – A distância não é um problema relativo, porque até na Rússia, por ser um país enorme, temos dificuldade em fazer tours. Temos que andar sempre de avião, ou então em comboio que levam horas para fazer uma viagem entre cidades. Mas no geral não há grandes dificuldades, ser de longe faz-nos viajar imenso, e eu gosto bastante disso.
MDX – Ficaste surpreendido com o célere crescimento da banda? Quando começaram, esperavas que, por exemplo em Portugal, a banda tivesse tantos seguidores?
Motorama – Parece-me que o crescimento não foi demasiadamente rápido. Começamos em 2005, há 12 anos, e tocamos imenso, imenso, imenso. Melhoramos cada música, cada acorde até desenvolver a qualidade geral da banda.
MDX – Conseguem eleger um país que tenham gostado mais de tocar?
Motorama – Depende. Sinto que consigo encontrar diferentes dimensões dentro de cada país. No passado cheguei a sonhar atuar em alguns sítios, mesmo dentro da Rússia. Como em Vladivostok, que é perto do Japão, quer dizer, não é assim tão perto do japão mas é quase do outro lado do globo. Neste momento fico contente de tocar onde nos chamam, onde as pessoas nos querem ouvir e perceber o que pretendemos transmitir . Partilhar o mesmo tipo de energia e pensamentos é importantíssimo.
MDX – O conhecimento de bandas indie provenientes da Rússia não é muito grande em Portugal. Quais aconselharias aos leitores da MDX?
Motorama – Recomendaria que pesquisassem algumas bandas da União Soviética, especialmente dos anos 80. Como os Kino, e todos os grupos dessa onda que eles pertenceram. Não gosto muito das bandas modernas, escapam uma ou duas, mas no geral não gosto.
MDX – Além da influencia musical, que outros aspectos estão reflectidos na vossa música?
Motorama – A vida fundamentalmente. No que toca a letras e assim, influencia o que estou a ler na altura, ou o que vou assistindo, assim como o quotidiano das pessoas. Mas sim, basicamente é isso, a vida.
MDX – Uma vez disseste que não estavas interessado no passado dos Motorama, como vês o futuro?
Motorama – Não sei bem, acho que não penso muito no futuro. Nem o planeio, nós apenas absorvemos o presente.
MDX – Para o concerto de hoje, preparam alguma coisa diferente, ou não pensaste nisso porque apenas absorvem o presente?
Motorama – Não nos vamos centrar no último ou nos últimos discos, vamos tocar músicas dos vários álbuns. Não temos Setlist definida, vamos pensar sobre isso mais tarde. Temos mais de 20 músicas por onde escolher.
MDX – Por último, os Motorama são muitas vezes comparados aos Joy Division. Como lidam com isso, sentem-se pressionados? Acho que é duro ser comparado a uma banda que influenciou tanta gente.
Motorama – Não, não sinto qualquer pressão. Há o tema suicídio, que está estreitamente ligado à banda, e é por isso que não gosto nada deles.
MDX – Estás-me a dizer que não gostas dos Joy Division, é isso?
Motorama – Não gosto do Ian Curtis, foi uma decisão incrivelmente estúpida. Nem o acho um grande letrista. Mas não queria falar muito sobre isto, nós temos tradições muito diferentes. Somos ortodoxos, e é proibido fazer coisas dessas. Quando tens uma família, quando tens um filho.. é tão estúpido, é tão egoísta. Tens que lutar, tens que lutar. É por isso que não gosto desta comparação, e sei que não é algo muito popular de se dizer. Gosto dos New Order, tanto das melodias, como dos integrantes, e acho que quando aquilo aconteceu eles acharam o mesmo, que ele foi um idiota. Além disto, acho que são um pouco overrated. Havia tantas bandas porreiras, como os Chameleons, e eram todas semelhantes, influenciadas pelas mesmas coisas, havia toneladas de grupos influenciados por esta wave.
MDX – No entanto, o ambiente de Manchester é muito parecido ao de Rostov, há um ambiente industrial que é um denominador comum. Sentes-te influenciado musicalmente por isso?
Motorama – Sim, acho que sim. Moro com a minha família, nos subúrbios da zona norte, e a vista é muitas vezes deprimente. Mas não somos deprimentes, nem tentamos espelhar esta depressão nas nossas músicas. Temos outros temas e ideias para partilhar com as pessoas. Mas sim, este tipo de urbanização, ou se quiseres industrialização, está muito ligada a mim. Gosto bastante de bandas que lidam com a mesma estética, como os Kraftwerk da Alemanha, e desta mistura de vários ambientes.
Após esta entrevista os Motorama ofereceram, a um Sabotage Club bastante preenchido, um dos melhores concertos que o Cais do Sodré assistiu este ano. Reportagem Aqui, “Motorama, o ABC do charme lento”.
Os nossos agradecimentos ao Sabotage Club por nos terem facilitado todas as condições necessárias para a realização desta entrevista.
Entrevista – Tiago Pinho
Fotografia – Nuno Cruz