O vermelho suscita a ilusão e o encantamento pelo lado afectivo. O vermelho remete, também, para o sangue e para o pecado. Do que quero falar é de uma noite onde o vermelho rasgou o breu e se apoderou de um palco onde se vivenciaram todos os modelos e sensibilidades que o vermelho pode despertar em cada um de nós, enquanto mortais e amantes de estímulos sensoriais.
A noite de que falo ocorreu na belíssima sala da Caixa Económica Operária na passada sexta-feira, dia 31, onde presenciamos o lançamento de Fetish, dos carismáticos She Plesures HerSelf.
Depois das revelações feitas pela banda, era inevitável a expectativa não pairar pelo ar e o receio da contemplação imaginária não nos fazer cócegas na mente. Poucos minutos depois da hora marcada, ouvem-se correntes e sente-se uma brisa intrigante. Pelo público, aparecem duas pessoas encapuçadas que seguiam presas pelo pescoço atrás do pecado. Por entre a escuridão e uma atmosfera fumacenta, a banda, vestida a rigor assume posições e prepara-se para nos mostrar visual e sonoramente o fruto do pecado, Fetish.
Com a sincronização entre os clips e as músicas, os She Pleasures HerSelf trazem ritmos pesados com nuvens de sintetizadores que sobressaem e nos impelem ao movimento. Entre as nuvens, um baixo consistente e pesado que nos faz assentar os pés e acalmar o coração. A rasgar o asfalto musical vivido, a caixa de ritmos e a voz distorcida e grave que invade a nossa mente e nos aperta o peito com uma só mão. Nas teclas, Letícia Contreiras, segue de mãos dadas com David criando o toque necessário de veludo para completar o quadro auditivo que pintavam tão cuidadamente.
Em algumas faixas, a actuação crua e sensual de Titz Vagabond com os mais variados enfeites e deleites sensoriais. Durante cerca de 1h o álbum foi apresentado e dissecado na íntegra com excepção da música “Touch” que foi substituída por uma faixa nova, “Visions”. Apesar do sistema de som não fazer jus à banda, a verdade é que tanto viajámos até ao passado como fomos empurrados até ao futuro numa vaga quente, densa e voluptuosa de sonoridades negras, sintéticas e estimulantes.
De seguida, sobem ao palco os Pink Turns Blue e, com eles, um post-punk que remonta ao universo de revolta instigadora de curiosidades e experiências do início dos anos 80. Foi precisamente nesta década que apareceram, numa Alemanha a reerguer-se e a tentar limpar a identidade. A música que trazem envolve-se numa bolha de melancolia confortável e quente remetendo-nos em forma de jacto para as tonalidades de Joy Division, The Cure, The Jesus and Mary Chain e até The Mission.
Embebidos na sua frieza educacional, Mic, Ruebi e Paul, seduzem uma sala bem composta e imersa numa só aura de partilha e harmonia. A música deles transporta dualidades de opostos que tanto nos podem empurrar para um asfalto negro como confrontar com a mais bela paisagem intrigante. O som apresentava-se limpo e sem impurezas e nós, passeámos com eles, por entre a vasta discografia que carregam, tendo conseguido sair com as ânsias que, por vezes, o botão backward traz de reboque.
Uma noite quente, intensa, forte em melodia e melancolia que a Caixa Económica Operária não esquecerá tão cedo.
Texto – Eliana Berto
Fotografia – Luis Sousa