Para percebermos o que se passou na Segunda-feira à noite, e que bom que ainda se fazem concertos ao início da semana quando ainda estamos cheios de energia do descanso domingueiro, talvez seja necessário, para quem nunca tinha ouvido falar dos Drinks (Cate Le Bon e Tim Presley), explorar um pouco a história dos seus protagonistas. Confesso, foi a primeira vez que tomei um contacto mais próprio com o universo musical de ambos e houve um certo fascínio, misturado com uma certa alienação, ao longo do concerto. Mas já lá vamos.
Cate Le Bon e Tim Presley são dois músicos com projectos a solo. Decidiram juntar-se e formar Drinks, que ao vivo se fazem acompanhar de outros três músicos, mas a experiência que trazem consigo desses tempos acaba por não dar assim tantas pistas ao que agora nos apresentam em conjunto. Ambos já colaboraram com outros músicos, a Cate tem uma série de colaborações imensa e em géneros muito diferentes, portanto não seria de estranhar que a combinação dos dois trouxesse algo que nos surpreendesse. A ideia desta união surgiu quando Cate Le Bon andou em tour com White Fence, o projecto de Tim Presley, e o primeiro disco, que apresentaram na Galeria Zé dos Bois, surge em 2015 com o nome Hermits on Holiday. Título curioso para uma dupla que se considera como um par de adolescentes que se fecha em casa a fazer música.
Chegadas as 22h de Segunda-feira, não eram os Drinks que entravam em palco, mas sim, gradualmente, os SNACKS – projecto anunciado poucas horas antes como banda de abertura. Pois estes SNACKS, antes dos belos DRINKS (queria fazer uma piada com snacks e drinks, mas sou muito fraca em piadas), não eram mais que os outros três elementos da banda e que durante quase quarenta minutos exploraram diversos universos e texturas electrónicas. Apesar de muito dissonantes ao longo do seu set, a dança sonora que exacerbavam mostrava que tudo é passível de se transformar em ondas hertzianas. Sintetizadores, um pequeno teclado, microfone a voar entre a voz e outras superfícies de contacto com diversos efeitos, distorções máximas e loops que nos faziam considerar em que espaço realmente estávamos já que todo aquele conjunto de sons nos fazia dissociar um pouco de nós próprios. Acabado o set, Cate e Tim entram em palco e a verdadeira festa começa.
O primeiro impacto que se faz sentir é a postura de Cate. Mãos nos bolsos, queixo erguido, olhar sério e uma solenidade que teima entre o ameaçador e o brincalhão. Sim, eu sei, que contraste, mas a verdade é que fiquei com a sensação que é esta vivência, esta distância e proximidade oscilante, que marca muito a personalidade de Drinks. Tim Presley tanto estava presente como ausente, mas o seu gozo enquanto tocava e cantava era evidente, apesar de também sentir que era uma experiência muito pessoal dele. Ao longo do set, as sonoridades conseguiram ser tão diferentes quanto fascinantes. É impossível encaixá-los num género quando por vezes sentimos que estamos numa sessão free jazz, noutras numa sessão rock, noutras numa deambulação pelo cosmos e pelo inesperado. O fio condutor? A sensação constante que Cate e Tim estão ligados por algo invisível e que se sentem confiantes e confortáveis com aquilo que apresentam em palco. E para perceberem o que estou a dizer, basta deslizarem um pouco pelo disco e perceber logo a diferença contrastante entre cada um dos temas. Ao vivo, essa diferença fica ainda mais ampliada pela energia constante que os músicos empregam.
Resumindo, é um projecto que dá gosto ver pelo gozo que tiram em palco, mas talvez o disco não seja dos mais harmoniosos para o comum mortal ouvir em casa. Para os amantes do género-sem-género-mas-recheado-de-texturas-diversas provavelmente terá o efeito oposto e poderão considerá-lo inspirador. Foi uma noite bonita e também eu me sinto mais rica depois de os ter visto ao vivo.
Texto – Sofia Teixeira
Fotografia – Ana Pereira