Surgiram pela primeira vez aos olhos do público quando em 2015, juntamente com Galgo, os Flying Cages foram os vencedores do Vodafone Band Scouting, o que levou ambas as bandas a atuarem no festival Vodafone Mexefest, mais precisamente no palco da Estação do Rossio. Se tocar num dos festivais mais mediáticos de todo o país já é uma responsabilidade considerável, o que dizer de subir ao palco de uma das salas mais concorridas do evento da Avenida de Liberdade? Zé Maria, Rui Martins, Francisco Frutuoso e Bernardo Franco não se deixaram intimidar pela árdua tarefa que tinham em mãos e passaram com distinção, sendo reconhecido grande potencial e qualidade ao quarteto de Coimbra.
Poucos meses depois de terem vingado no festival, surgiu o primeiro longa duração, Lalochezia, onde as promissoras ideias dos Flying Cages finalmente ganharam asas; desde o primeiro instante em que nos cruzamos com o disco, é difícil não estabelecer elos de ligação para com bandas britânicas da década de 00, tal não é a cumplicidade que se deteta na junção entre indie com garage – atrevemo-nos mesmo a dizer que sentimos uma certa reminiscência a uns Arctic Monkeys na altura do Whatever People Say I Am, That’s What I’m Not. Embora as semelhanças fossem notórias, era a palpável o desejo dos Flying Cages incorporarem a sua própria irreverência e toque pessoal ao mesmo tempo que se aventuravam num registo musical algo de badalado e onde as comparações entre bandas são praticamente certas; resultado: um disco cheio de frescura e adrenalina tipicamente juvenil, conseguindo escapar ao rótulo pejorativo do “estes-tipos-gostavam-de-ser-iguais-a-estes” que tanto vigora nos dias de hoje.
Como parar é morrer, 2017 marcou o regresso aos discos para os Flying Cages com Woolgather e com ele veio a certeza que estas ‘jaulas voadoras’ desprenderam-se por completo. A opção em jogar pelo seguro ao influenciarem-se fortemente nas grandes bandas que emergiram no início do milénio no Reino Unido, permitiu a que a banda de Coimbra reunisse uma considerável legião de fãs ao jogar pelo seguro e optar por uma sonoridade familiar, mas com este disco, deteta-se a vontade de experimentar novos sons, de se aventurar pelo desconhecido e, acima de tudo, o desejo em mostrar a verdadeira faceta dos Flying Cages; a banda teve a coragem de tomar riscos que, no final, revelaram-se certeiros.
Woolgather é um disco que se ‘exige’ ser ouvido num todo e que nos faz perder no tempo durante tal. Ao longo de treze temas, os Flying Cages conseguiram delinear um roteiro repleto de altos e baixos – não num sentido denigrativo, atenção – onde a variedade é a palavra de ordem. Contudo, e por mais vasto que o álbum seja, perdura a imagem que funciona como um todo, ou seja, estamos perante um ‘disco’ e não uma ‘coletânea de canções’, algo que acaba por jogar um pouco contra a banda na medida em que não há temas que fiquem logo por de trás na orelha como acontecia em Lalochezia, com “Delirium” ou “Kalico” a servirem de exemplo. Todavia, “Your Friends” e “Well Shaved Armpit” arriscam-se a ser as canções que sentimos uma maior vontade a voltar a, isto em posteriores audições do disco.
Apesar da diferença que separa ambos os discos (um ano), nota-se uma elevação tremenda em termos de sonoridade face a Lalochezia e Woolgather, talvez resultante de um ano de estrada e de uma maior cumplicidade entre bande. Pondo lado a lado cada um dos discos, as diferenças são mais que óbvias, mas é nos pequenos detalhes que reside o crescimento dos Flying Cages: “Tell Me Where You Hide” acata as mesmas influências brit-rock que o disco antecessor embora de forma mais arrojada e elaborada, “Can You Tell Me” transpira uma certa sensualidade provocadora, o uso de teclados em “Selfish Hand” apresenta-se como uma das aventuras da banda para este último disco com um resultado bastante apelativo – não nos importávamos de ouvir mais temas neste registo em futuros discos – e “La Folie”, que consegue explorar e abusar dos momentos arrebitados e melancólicos, conciliando ambos de igual modo para que nenhum triunfe sobre o outro.
De um modo geral, Woolgather acaba por ser um pouco contraditório: estamos a falar de um disco muito mais variado que o seu antecessor, mas ao mesmo tempo consegue ter a coesão que faltava. Os Flying Cages causaram burburinho com o primeiro disco, mas é agora com o seu segundo que acabam por nos verdadeiramente surpreender, deixando-nos sedentos por continuar a seguir o seu trabalho. Ao apostar num álbum mais arriscado e mais experimental, a banda oriunda de Coimbra conseguiu mostrar que ainda tem muito para mostrar e que o seu potencial só pode ser rivalizado com a sua ambição. Já é oficial: os Flying Cages saíram das jaulas e estão sedentos para levantar voo.
Texto – Nuno Fernandes