Na passada quinta-feira à noite, a meio de uma primavera juvenil que nos prega partidas com as suas chuvas fortuitas, o Sabotage Club esteve quase cheio para ouvir sem filtros ou barreiras, mas em audição plena, o que o trio portuense 10000 Russos trouxe para oferecer: As faixas novas do recém-lançado Distress Distress e talvez uma breve visita a algum dos temas do álbum homónimo de 2015 ou do primeiro Ep de 2013.
A abrir a noite, o projecto de Pedro Pestana, em modo one man band, Tren Go! Sound System. Apesar do ar primaveril que percorria o Cais do Sodré, dentro do Sabotage viveu-se uma quase noite de verão, com muitos corpos a entrarem no ritmo dos loops hipnóticos criados pela guitarra e variados pedais ao serviço de Tren Go! Sound System.
Suscitou o interesse de muitos dos presentes pela capacidade pouco comum de ver/ouvir um só músico a criar, sem esforço, uma atmosfera densa através de loops siderais e intervenções cirúrgicas mas quase surrealistas, espaçadas por poucos minutos. Tren Go! Sound System, levou-nos como se assistíssemos a uma curta-metragem sobre uma viagem a um universo paralelo onde o som se propaga ao mesmo tempo que se entranha na matéria e dela retirasse também som. Cerca de 25 minutos de concerto sob uma aura intensa ajudaram a criar a massa crítica de expectativa para o concerto de 10000 Russos.
Não são estreantes neste palco. Sem pensar muito diria que já passaram no Sabotage pelo menos em quatro ocasiões. Já conhecem o espaço e sabem tirar o melhor partido dele.
As imagens projectadas no palco na cadência do som produzido elevam toda a experiência a um outro nível. Germinal com a sua toada pós punk e industrial, que nos faz sentir o baixo de André a pulsar nos nossos ossos, ou a voz de João Pimenta a entrar nas nossas têmporas são aumentadas pela distorção e pelo fuzz da guitarra de Pedro Pestana.
Nada de estranho até aqui. O que será sempre enigmático ou estranho é a fabulosa capacidade que têm para misturar o lado negro, com um travo a pós punk que sabe tão bem sentir no ritmo do baixo e da bateria ao psicadelismo cheio de groove que emana da guitarra.
É Us vs Us que arranca os primeiros aplausos mais fortes e prolongados, talvez pela cadência que provoca movimentos involuntários na maioria dos presentes e assim aplaude-se em tom de quem quer mais.
Sabemo-nos já longe de tudo. Ouvimos, vemos mas já não estamos onde entrámos. Estamos a meio caminho de qualquer lugar ou numa dimensão paralela, no meio de uma massa de gente que ondula e sacode do seu corpo todo o torpor do mundo.
Agora, para as mãos e voz do trio portuense éramos já massa fácil de moldar…Radio 1 e Tutilitarian, de Distress Distress, e ainda a massa humana pede ritmo, não dando tréguas à banda que teima no mais improvável e fantástico groove industrial.
Fomos passageiros na noite elaborada pelos 10000 Russos, onde estes comandaram o ritmo nos nossos corpos numa cadência quente. Fomos passageiros mas não fomos apenas isso. Intervimos de corpo inteiro e só sucumbimos depois do encore intensamente pedido. Aguardamos a próxima viagem.
Texto – Isabel Maria
Fotografia – Marta Louro