Dizem-nos que a felicidade só é real quando partilhada. Já a dor, essa, não será melhor, mas certamente mais fácil de ultrapassar. Foi isso que aconteceu no evento MIND MENDING BENEFIT, no Sabotage Club.
Decorria o ano de 2016 quando o músico Filipe Falé sofreu um AVC em pleno concerto. Um ano depois, este evento prometia conduzir-nos por todo o processo de recuperação, pelas sequelas, mas também pelo testemunho de como as vítimas de AVC podem beneficiar da música como instrumento de terapia. As receitas do evento reverteram na totalidade para a produção de um filme/documentário sobre a superação desta experiência traumática.
As honras de abertura do palco foram oferecidas a uma favorável mistura entre o Rock Psicadélico e o Stoner Metal: os Earth Drive. A banda do Montijo, que conta com 10 anos de concertos e estrada, fez-se notar logo pelo conseguido preâmbulo instrumental. A voz de Sara Antunes, embora em certos momentos demasiado cercada pelos restantes instrumentos, não comprometeu em nenhum dos momentos do concerto. Não sabemos se a banda nos remete mais para Black Sabath ou Led Zepeplin, sabemos sim que a atitude e a sonoridade do grupo do Montijo dificilmente deixou em alguém sentimentos de tédio ou desilusão. O tema Time Machine, a ser maturado há dois anos, foi o momento de maior comunhão entre a banda e o público.
Seguiram-se os Lisboetas My Master The Sun, que desde 2013 têm dado um importante contributo na íngreme tarefa que é acrescentar algo disruptivo ao panorama musical em Portugal. Nesta noite, o quarteto evidenciou que uma proposta, uma ideia diferenciadora, quando reunidos à competência musical, são já uma circunstância assinalável. Proposta essa que ficou imediatamente vincada aos primeiros decibéis, momento em que se fez ouvir a peculiar Os Corvos Levantam Vôo.
Ricardo, vocalista dos MMTS, partilha o sobrenome com Filipe. Pelo sentimento que colocou em cada fracção do concerto, compartilhará também uma enxurrada de emoções e alvoroços. Foi desconcertante a forma como pegou nas malhas, jogou-as ao ar, apanhou-as uma por uma, e, enquanto lhes passava a mão pela cabeça, dizia-lhes ao ouvido: não te preocupes, vai ficar tudo bem. Se quiserem, risquem malhas e escrevam “pessoas”.
A gestão do tempo revela-se o atributo intrínseco que mais se evidencia, permitindo nortear superiormente os diferentes ritmos e os diferentes momentos de cada música: os temas Respeito e TV exemplificam na perfeição este componente da banda Lisboeta. A coesão entre a banda, mas também a sua proficiência, consente que os MMTS ofereçam ao público interessantes mutações entre músicas. Entre o referido primeiro tema e Maior do que Eu – último tema do concerto – existe uma disparidade considerável, facto que apenas engrandece o grupo: mostrando não obedecer a ninguém, nem mesmo a si próprios. Palmas.
O termino da noite estava a cargo de Sinistro, a banda que tem recebido, e bem, amiúde atenção internacional. Partida, primeiro tema da banda, ofereceu uma voz demasiadamente baixa e abafada, facto que poucos pareceram querer preocupar-se, dado que se ocupavam com extensas análises e dissertações sobre os movimentos característicos de Patrícia Andrade. De facto, a vocalista da banda almeja uma notoriedade difícil de descrever, mas, sem dúvida, inteiramente merecida.
Foi com laivos de sludge que os Sinistro nos fizeram chegar Corpo Presente e Relíquia, ambas do álbum Semente. Proporcionando uma progressiva qualidade performativa e de som, e, por conseguinte, uma reacção bastante entusiasta da plateia. Num concerto que, além de crescente a nível qualitativo, se demostrava bastante aguardado e celebrado, teve o seu toque inesperado com a interpretação de Cidade I e Cidade II, faixas que compõem o EP Cidade. Temas que fecharam o concerto e a noite, sob contínuos e homogéneos aplausos.
Se os Sinistro beneficiaram de uma desmedida atenção da plateia, foram os My Master the Sun que mais júbilo nos proporcionaram, naquela que fora, comentava-se pela plateia, uma das suas atuações mais conseguidas da banda. No entanto, numa noite como esta, a principal intenta foi cumprida: não apenas a recolha de fundos, não apenas divulgação da causa, mas sim a constatação de que a música, seja na felicidade, seja na dor, é um enorme factor de união entre pessoas. Esta noite foi só mais um exemplo.
Estamos juntos, Filipe.
Texto – Tiago Pinho
Fotografia – Luis Sousa