O Sofar Sounds tem por base um conceito criado em 2009 em Londres, quando um músico decidiu dar um concerto em sua casa e convidar alguns amigos para assistirem. Entretanto, a ideia propagou-se por outras cidades do mundo e chegou a Lisboa em 2014. Desde aí, e com uma regularidade de 2 eventos por mês, já se realizaram 40 edições na capital portuguesa. O conceito é simples de se explicar. A organização revela antecipadamente o dia e a hora do evento seguinte, os interessados inscrevem-se gratuitamente e só na véspera é que ficam a saber o local, normalmente edifícios que não associamos à realização de concertos e que muitas vezes caíram no esquecimento. Mas ainda há mais, só quando chega ao local é que o público inscrito fica a saber quem irá atuar. São sempre 3 artistas, cada um com uma atuação de 30 minutos e com 15 minutos de intervalo entre elas. Os convidados são pessoas emergentes no universo musical português. Por esta iniciativa já passaram nomes como Isaura, Surma, NBC, Urso Bardo e até mesmo o novo ídolo nacional Salvador Sobral. Os concertos são do mais intimista que possa haver.
No sábado passado, dia 20 de maio, foi então a vez da 40ª edição do Sofar Sounds Lisbon. Desta vez, o local escolhido foi o antigo edifício da Emissora Nacional, na Rua do Quelhas, por onde passou muita da história da rádio em Portugal. Atualmente encontra-se algo degradado – mantendo no entanto alguma da beleza de outros tempos – e recebe uma exposição de arte contemporânea. Para além dos 3 concertos, o público presente ainda tem a possibilidade de percorrer todo o edifício e de ver em pormenor tudo o que por lá se passa. Chegados ao local, ficámos a saber que iríamos ser brindados com as atuações de O Mau Olhado, Matheus Paraizo e Bernardo.
O Mau Olhado foi o primeiro a entrar em ação. Acompanhado de uma guitarra acústica, interpretou as suas músicas instrumentais, onde várias guitarras em loop se sobrepõem umas às outras e que tanto fazem lembrar a guitarra portuguesa como a guitarra de flamenco. Os 30 minutos passaram a correr e no final ficámos com a ideia de que esta é a duração ideal para um concerto com estas características. O Mau Olhado tem um perfeito domínio e conhecimento do que está a fazer, é evoluído tecnicamente, mas pela forma como aborda a música torna a coisa um pouco repetitiva.
Depois, foi a vez de Matheus Paraizo, um jovem que deu nas vistas no programa Factor X. Uma guitarra elétrica a acompanhar a sua voz foi a receita apresentada para os 30 minutos a que teve direito. Músicas demasiado melancólicas – talvez variar um pouco o ritmo da coisa não ficasse mal – e uma atitude algo envergonhada marcaram a sua prestação. No entanto, não nos podemos esquecer que estamos perante um jovem que ainda está a dar os primeiros passos. Há ali potencial, vamos aguardar para ver o que o futuro lhe reserva.
Por fim veio aquilo que mais marcou a tarde passada na antiga Emissora Nacional. Sónia Bernardo, mais conhecida só por Bernardo, é fraca na guitarra e em fixar as letras, mas tem ali qualquer coisa de muito especial e difícil de se explicar. É um excelente exemplo de pessoa abençoada por algo que só calha a alguns, muito poucos, habitantes deste planeta. Quem esteve presente neste evento, pode no futuro – assim se espera, mas todos sabemos como o mundo é injusto – gabar-se de um dia ter assistido a um concerto intimista, numa pequena sala, desta jovem senhora. Viveu-se e respirou-se história dentro daquelas paredes, Bernardo é um diamante em estado puro e o que se viu e ouviu ali está muito longe da normalidade. A Bernardo tem tudo o que é necessário para entrar no grupo dos génios musicais que marcam as nossas vidas. No futuro, este diamante só tem de ser lapidado em alguns, pequenos, pormenores. A Bernardo tem de estar à vontade com o seu microfone e entregar a guitarra a outro que a toque e a acompanhe e fugir de um registo que por vezes é demasiado próximo do de Amy Winehouse. De resto, uma palavra: GENIAL!!!
Foi sem dúvida uma tarde muito bem passada por tudo. A simpatia e a eficiência da organização, as atuações musicais, o espaço escolhido, o patrocinador que ofereceu bebidas durante os intervalos e a atitude do público de grande respeito para com os artistas. Talvez só dois reparos, pessoas a mais para a dimensão do espaço e os artistas que convidam para uma mesma sessão deveriam de ser oriundos de universos musicais diferentes.
Texto – João Catarino
Fotografia – Nuno Cruz