No dia 18 de Maio o Sabotage acolheu uma noite não só de música como também de solidariedade. O evento chamava-se Mind Mending Benefit e versava sobre as vítimas de AVC e o facto de a música ter uma grande influência na sua recuperação. O objectivo desta noite era, não só, alertar para os riscos a que estamos expostos como, também, angariar fundos para Filipe Falé, músico da banda Pulmonic, fazer um filme sobre a sua recuperação e doar dinheiro à Stroke Association, à Aphasia Reconnect e ao Hospital de Faro.
O Filipe vive em Londres e em Julho de 2016 sofreu um AVC em palco, no Barreiro, enquanto cantava na banda My Master The Sun. Neste momento sofre de Afasia mas orgulha-se da recuperação que tem vindo a ter. Nunca deixou a música e talvez seja isso que o esteja a ajudar mais a não perder a força e a ir recuperando aos poucos tudo o que perdeu física e mentalmente. Começou a vestir-se de coelho em público em eventos e concertos para chamar a atenção das pessoas para a sua história e poder partilhar a sua experiência.
O Música em DX aproveitou o evento para conhecer um pouco mais da história de Filipe e esteve à conversa com ele e o seu irmão Ricardo Falé (My Master The Sun):
Música em DX (MDX) – Filipe, queres contar um pouco da tua história?
Filipe – Sim! Eu tive um AVC há 10 meses em palco. Estava a tocar uma música e senti o ouvido direito a estalar e não fiz grande alarido, mas no dia seguinte de manhã comecei a notar as repercussões, as palavras não vinham! Estava a escrever uma mensagem e não sabia escrever mas ainda falava. Cheguei a casa e deitei-me, não dormi, estava cheio de dores de cabeça e o cão estava super inquieto. Fui para a sala onde estavam as 2 bandas e eu abri a porta e disse bom dia, mas não foi bom dia que saiu e gozámos com isso mas passados 15 minutos comecei a assustar-me e a escrita estava cada vez mais confusa e as mensagens não faziam sentido.
Ricardo – Depois eu cheguei por volta das 15h e estava afónico e isso também não ajudou a perceber o que se estava a passar. Ele veio ter comigo e escreveu: acho que devo ir ao hospital, com uma letra muito estranha e eu pedi-lhe para sorrir e ele sorriu só com metade da boca e foi nesse momento que se fez o click e fomos para o hospital mais próximo, que talvez não tenha sido a melhor escolha pois foi tudo muito confuso e não foi detectado nada, o acompanhamento ao meu irmão talvez não tenha sido o mais correcto. Quando estás a ter um AVC existe uma janela de tempo que pode ser utilizada para minorar as sequelas. Um AVC pode ser isquémico ou um derrame e o caso do meu irmão foi isquémico, o sangue deixou de fluir para o cérebro como fluía e aquilo que pode ser feito numa altura destas é tornar o sangue mais líquido para que as sequelas não sejam tão graves. Tudo se arrastou muito no hospital e perdemos a janela que poderia ter sido usada e fomos aconselhados pelo médico a ir ao Hospital público de Faro, onde foi logo acompanhado e começou a ser tratado e teve lá 2 semanas e meia sem falar. A recuperação depois foi muito boa, começou logo a fazer terapias e fisioterapia e esteve cá durante 6 meses e depois seguiu para Londres.
Filipe – Cheguei a Londres e tive um ataque de epilepsia causado pelo médico que me viu e me deixou exaltado. Estava a contar isso a um amigo meu e deu-me o ataque. Talvez tenha a ver comum estado de ansiedade de estar no meio de amigos.
Ricardo – Depois não o deixaram embarcar no Natal por causa deste ataque.
Filipe – Passei o natal, passei a passagem de ano com os meus amigos e uma semana depois pensei no projecto e como é que poderia passar às pessoas alguma mensagem, principalmente pela força. É difícil estar vestido de coelho, mas nos festivais ninguém vai perceber que tive um AVC, tenho de ter alguma coisa que chame a atenção e lembrei-me da máscara de coelho. É difícil vestir-me assim, no entanto passado 1h já estou mais descontraído e melhor. A primeira reacção das pessoas é sempre de gozo mas depois de falarmos um pouco mudam logo de expressão.
Ricardo – Para além de chamar a atenção que pessoas cada vez mais jovens têm este tipo de problemas, está a dar esperança às pessoas que podem melhorar e confiar nelas!
MDX – Qual foi o papel da música na tua recuperação?
Filipe – É uma pergunta interessante. A música é algo que eu gosto e faz parte do “eu” e da redescoberta do lado perdido do “eu” e descobrir ao mesmo tempo coisas novas. Eu vi bandas no Tremor ou no Roadburn que nunca vi e é importante eu ver coisas que nunca vi por ser novidade.
Ricardo – O facto de ver coisas novas e estar a fazer com que o cérebro seja ginasticado, para a recuperação, é muito importante porque a música trabalha uma zona da memória que normalmente não seria trabalhada. Ajuda na fala também, quando canta, e está provado por muitos autores que escreveram acerca de neuro plasticidade que a música ajuda muito! O facto de o meu irmão gostar de música foi algo que jogou muito a seu favor porque começou logo a tocar. A música é algo que é muito importante a todos os níveis.
MDX – Dai a escolha dos concertos para angariar fundos…
Filipe – Sim!
MDX – E em relação ao filme que vais fazer, foi motivado pelo documentário que viste?
Filipe – Sim! Foi motivado pelo “My Beautifull Broken Brain” e pelo “The Possibilities Are Endless”.
Ricardo – Normalmente as pessoas sentem-se sempre muito sozinhas, parece que ninguém as está a ajudar e estes documentários são sempre muito importantes. No caso do meu irmão as dificuldades que tem e sente na fala são um pouco complicadas. É óbvio que se sinta alguma ansiedade e a maior parte das pessoas que tem este tipo de problemas tem a tendência de se fechar. O meu irmão ao invés disso veste-se de coelho e manda-se aos lobos e mostra e fala sobre os seus problemas! A mensagem é esta. Alguém que veja isto só pode sentir-se motivado e este é o objectivo daquilo que o meu irmão está a tentar fazer. A ideia é tentar com que pessoas que vejam o filme se sintam melhor do que estão e possam, também, acreditar na sua recuperação e mesmo que as sequelas se mantenham não são menos pessoas por causa disso, há que continuar a viver e a seguir. Mas pronto, é muito caro fazer um documentário e estamos todos a lutar para que seja possível porque acreditamos todos nisto e, principalmente, as pessoas que viveram isto mais de perto acreditam que isto pode e vai ajudar muitas pessoas.
MDX – Para ti, Ricardo, que assististe directamente a isto tudo, qual foi o impacto que este acontecimento teve na tua vida?
Ricardo – Fiquei com mais receios. Eu não tinha cuidado nenhum com a minha voz e esforçava-a demais e o que se passou no dia anterior foi que eu fiquei afónico e o meu irmão foi cantar 2 ou 3 músicas por mim e como deves calcular aquilo que alterou, também a pedido da minha filha, da minha mãe e da minha namorada, foi tentar não cantar com tanta força. Apesar de ser uma coisa muito prática, custa-me porque às tantas não é fácil quando estas a dar muita intensidade e quando estas a sentir a cena… Deixo uma palavra para os vocalistas: tenham cuidado porque isto pode acontecer, tratem da voz, não exagerem!
A música não serve só de alimento à alma, mas sim de suporte e de lição para tudo o que possamos passar! Desejamos que o Filipe consiga rapidamente alcançar o seu objectivo e que nunca perca esta força e coragem sempre de mão dada com aquilo que o faz sorrir e seguir, a música!
Afinal, “There is a light that never goes out”!
+info em gofundme.com/mindmending
Entrevista – Eliana Berto
Fotografia – Luis Sousa