“Bunch of Kunst” é o primeiro trabalho cinematográfico da alemã Christine Franz, jornalista de música. Um amor ao primeiro ouvido, tendo conseguido uma entrevista para a televisão alemã, ainda antes da BBC Berlim. Dia feliz em que um amigo lhe deu a conhecer o álbum “Austerity Dogs” (2013), e que se tornou naquela que viria a ser a sua “nova banda preferida”. Depois da entrevista, seguiu até à cinzenta e deprimente Nottingham e acabaram os três (Christiane, Andrew e Jason) com a “pior ressaca do mundo”. Nessa noite surgiu a ideia de fazerem um filme. Sem um plano geral do documentário, tudo se desenrolou de uma forma muito orgânica e espontânea, três “gajos” contra o sistema foi o suficiente para “Bunch of Kunst” (significa artes em alemão) ser um documentário puro, sem artefactos, sem animações, sem ensaios, onde o calor humano se sente no odor da nicotina e na satisfação da de uma cerveja.
Uma imagem crua numa espécie de estúdio em Nottingham, onde Andrew Fearn de meias tenta aquecer o corpo num aquecedor doméstico. Montagem do escasso equipamento electrónico, que se resume num laptop cheio de autocolantes alusivos ao espirito das letras de Jason Williamson (o Shakespeare da rudeza britânica contemporânea) e uma coluna. Os poemas saltam na raiva da voz de Jason, enquanto os lê no telemóvel. “Vê lá este ritmo assim”, Frean prime o teclado e deixa fluir a batida monocórdica. “Fica melhor antes do refrão. Tenta lá…”, sugere Jason.
Christine Franz acompanha os dois anos da ascensão do fenómeno do rap-punk europeu dos Sleaford Mods, 2015 e 2016. Três homens na casa dos quarenta anos, que têm em comum uma vida simples e desinteressante numa cidade pequena esquecida pelas cidades cosmopolitas de Inglaterra. Uma consciência social vincada pelas dificuldades da classe branca trabalhadora do séc. XXI. Steve Underwood, editor (Harbinger Sound Label), manager, agente, amigo, motorista, promotor, é por muitos considerado a estrela do filme. Ex-motorista de autocarro entregou-se à carreira da banda de uma forma incrível, despojado de ambições comerciais e fiel às suas origens humildes. A carteira de músicos da Harbonger Sound sempre fora tendencialmente do registo punk, e por esse motivo Steve tem bons contactos neste circuito britânico e europeu, destacando o mercado belga, italiano e principalmente o alemão onde ganharam de imediato um vasto número de fans.
Tour europeia de 2015, com a apresentação do álbum Key Markets, “as bandas deviam ser assim, orgânicas, sem a mão da indústria”, diz Jason para a câmara na parte detrás do carro conduzido por Steve. Nervoso miudinho, carregado de ansiedade em cada subida ao palco. Na verdade o sucesso do espectáculo está concentrado em Jason, dependendo maioritariamente da sua performance e da força visceral da sua voz. Da raiva e agressividade que rasgam a austeridade de um país que se quer igualitário e promissor.
A BBC escolheu Key Markets para a rúbrica “Álbum da semana”, com a condição de “limparem” as faixas com mais asneiras. “Que se foda a BBC, não vamos alterar nada.” Conclusão de Jason e Andrew após saberem por Steve que foram os eleitos da BBC. A intimidade do documentário reflete-se também na escolha das personagens que testemunham as mudanças do quotidiano de quem trabalhou das “9 às 5” num aviário de frangos. A glamorosa mulher de Jason, Claire Williamson, partilha com a câmara que “o pior é quando Jason volta para casa e durante duas ou três semanas se ocupa das tarefas domésticas, como por a roupa na máquina e fica de mau humor” (risos).
Claire e a filha pequena (de ambos) seguem com a banda em digressão sempre que podem. Steve arranja um novo veículo motor para a digressão nacional, um autocarro com 14 camas e todas as condições para o reduzido raider técnico dos Sleaford Mods se sentir confortável. As salas esgotavam num ápice, os fans aglomeravam-se à saída para os felicitarem e manifestarem a cumplicidade que sentiam nas suas letras. Jason tatua no pulso “ Key Market”. Christine entrevista alguns deles precisamente nestes momentos. Depois de partilharem a ira com Jason, dois jovens dizem “ Somos muito novos, e temos pena de não termos vivido os Sex Pistols, mas temos agora os “Sleaford Mods!”
O sucesso extravasa os pequenos palcos e os grandes festivais de música da europa entram nos contratos comerciais de Steve Underwood. Não são de todo do agrado de Jason ou de Andrew, que se arrepiam só de ver aquela multidão a gritar por eles. Em Junho de 2015, actuam à tarde no palco Jonh Peel num dos maiores festivais do mundo, Glastonbury. Percorrem a pé uma distância enorme, desde que saem do carro até chegarem ao camarim, um pré-fabricado com um papel na porta a dizer “Sleaford Mods”. Claire e a pequena Williamson acompanham-nos naquele que foi um dos momentos marcantes para a banda de Nottingham. Jason tenta distrair-se com a filha, mas o calor do pré-fabricado e o da ansiedade consomem-lhe a alma, sua em bica e não consegue sorrir para a câmara. Neste verão os Sleaford Mods actuaram em inúmeros festivais europeus, inclusive em Portugal no Festival NOS ALIVE em Algés (não é referenciado no documentário).
Um verão intenso, um Outono que não fora mais calmo e a família Williamson aumentou. Numa das cenas de mais um dos grandes concertos, Claire passa por Jason no back stage com a bebé ao colo. Olham-se e ela pergunta se ele está bem, ele responde que sim e ela segue em frente. O cansaço de Jason e Andrew era notório.
Steve fala com Christiane em sua casa, enquanto sozinho coloca autocolantes em centenas de vinis e os acondiciona para seguirem para as lojas. “ Estamos muito cansados, já não conseguimos fazer isto sozinhos. Isto que estou a fazer agora, numa grande editora era feito por muito gente”, diz em jeito de lamento. Esgotados, sem conseguirem dar resposta a todas as solicitações e a trabalharem num novo álbum, era consensual que precisavam de ajuda.
Janeiro de 2016. O barulho das rolhas a saltar das garrafas de Moet Chandon silenciava o da caneta, que assinava o contrato com a editora Rough Trade. Entre brindes e sorrisos de alívio, Christiane pergunta a Steve qual a sensação de estarem a assinar com uma grande editora, depois de um sincero sorriso diz-lhe,“ Desliga a câmara que eu respondo”. English Tapas, o mais recente álbum editado no início de Março deste ano já tem a chancela da Rough Trade.
Iggy Pop já tinha manifestado nas redes sociais o seu fascínio pela banda e congratulou-os pelo prémio da BBC6, atribuído a “Key Market” como álbum do ano. Christine consegue marcar uma entrevista com Iggy Pop, que aparece no final do documentário. A honestidade do cantor é incrível quando diz que, apesar de ter gostado logo do ritmo punk das músicas, teve dificuldade em compreender as letras porque “o inglês é muito diferente”. Para ultrapassar esta situação, Jason enviara-lhe uma “enciclopédia para punheteiros”, e a partir dessa altura Iggy Pop ainda se envolveu mais nos poemas de Jason, contra a austeridade das “terras de sua majestade”.
Os britânicos Sleaford Mods actuaram em Portugal duas vezes e, curiosamente ambas em festivais. A primeira em Julho de 2015 no Palco Heineken no Festival NOS ALIVE e a segunda em Agosto de 2016, no Festival Vodafone Paredes de Coura. Amanhã subirão ao palco do NOS Primavera Sound, no Parque da cidade do Porto.
Tied Up in Nottz
“The smell of piss is so strong
It smells like decent bacon
Kevin’s getting footloose on the overspill
Under the piss-station
Two pints destroyer on the cobbled floors
No amount of whatever is gonna chirp the chip up
It’s “The Final Countdown,” by fuckin’ Journey
I woke up with shit in my sock outside the Polish off-licence
“They don’t mind” said the arsehole to the legs
You got to be cruel to be kind, shit bank
Save it up like Norbert Colon
Release the stench of shit grub like a giant toilet kraken
The lonely life that is touring
I got an armful of decent tunes, mate
But it’s all so fuckin’ boring”
Divide and Exit, 2014 Harbinger Sounds
+info em http://indielisboa.com/
Texto – Carla Sancho