Na passada segunda-feira dia 5 de Junho, ao início da noite, as ruas da baixa lisbonense encontravam-se cheias de gente como tem vindo a ser habitual. No entanto o registo era diferente do habitual turista desprevenido ou do nativo que saiu do trabalho e regressa a casa numa bela segunda à tarde, em Junho, nas ruas próximas do Coliseu de Lisboa. As esplanadas dos restaurantes, os cafés e as tascas, estavam completamente preenchidos com um desfile de t-shirts e cabelos compridos, cheio de risos e sorrisos, muita boa disposição e muita vontade de rever os Slayer em Portugal, mais especial para todos decerto porque é o Coliseu de Lisboa, casa de eleição para muitos dos que assistem a concertos. Adivinhava-se uma noite recheada de reencontros com alguma nostalgia à mistura.
Alguns constrangimentos na entrada, fruto da apertada segurança que se fez sentir e que obrigou a que todos fossemos revistados minuciosamente e todas as malas e mochilas fossem verificadas, levou a que no momento em que os portugueses Rasgo subiram ao palco o Coliseu ainda se encontrasse a meio gás.
Os Rasgo que estão actualmente a viver um momento crucial com o lançamento do seu primeiro disco, Ecos da Selva Urbana, são compostos por músicos experientes e com um passado relevante. Nos Rasgo congregam-se elementos dos Tara Perdida, Trinta-e-Um, Sacred Sin, ou Ignite the Black Sun. Uma boa escolha pelo apetite voraz e enorme garra que trouxeram consigo e que fez com que fossem bastante aplaudidos na sua prestação. Propaganda Suicida, Existe, e um Coliseu já bem composto a cantar com a banda o refrão de Homens ao Mar. Os Rasgo foram a última lufada de ar fresco nesta noite que se adivinhava quente ao trazerem um pujante thrash metal cantado em português na estreia num palco venerável e capaz de encher o peito de orgulho a qualquer músico. Durante meia hora fizeram jus à honra que lhes coube e era bem visível a felicidade e a energia que protagonizou esta abertura de hostilidades e marcou o inicio do mosh pit às 21h. Findo o aquecimento pelos Rasgo, seguiu-se uma boa meia hora de convívio, cerveja e reencontros.
Ao cabo dessa meia hora o público cantava em uníssono Thunderstruck dos AC/DC. O coliseu já rebentava de ansiedade! E eis que as luzes se apagam totalmente e a sala estremece sobre o bradar da turba!
Vemos primeiro o fundo do palco coberto pela réplica da capa do álbum editado 2015 e que dá o nome à tour, (capa essa idealizada por um artista brasileiro em estreita colaboração com Tom Araya, e que ilustra o nome do álbum ao seu máximo), e lentamente começamos a adivinhar as silhuetas dos músicos já em palco.
A bateria furiosa de Paul Bostaph como um fogo rápido, pesado, e eis que surge Repentless. A voz e o baixo de Tom Araya atravessam o ar, implacáveis, enquanto os dedos dos guitarrista Kerry King e Gary Holt voam e esbarram no público que os recebe de braços abertos e punhos cerrados.
Talvez pela primeira vez os Slayer tenham tido o palco que merecem em Portugal. Uma sala à altura do seu espectáculo pujante e poderoso, que aproveitaram sem hesitações. Quase sem respirar debitam com uma energia de fazer inveja a muitos, The Anticrist, Post Mortem, Disciple, Hate World Wide e War Ensemble interpretadas num ritmo vertiginoso. Uma pequena paragem para todos respirarem e se fazerem as honras da casa. Sol de muito pouca dura. Os Slayer não vieram cá para conversas.
O ataque recomeça e e a temperatura no recinto sobe à medida que desfilam When the Stilness Comes, You Against You, Mandatory Suicide, Fight till death e Hallowed Point. Cerveja pelo ar, mosh pit, crowdsurfing abundante, mais cerveja pelo ar, ou seja um concerto de Slayer no seu melhor. Dye by the Sword, Black Magic e Seasons of the Abyss e de repente toda a luz no Coliseu se extinguiu sem motivo aparente. Em poucos segundos e sem que a banda interrompesse ou sequer abrandasse, já todo a sala se via cheia de lanternas de telemóveis ligadas. Ao longo do conjunto de cerca de 20 músicas, a voz de Araya comandou sempre.
Agressivos, rápidos, vigorosos, os Slayer fabricaram um som apertado e denso e irrepreensível que preencheu e dominou a sala por completo. A banda terminou com Hell Awaits, um aviso. Mas o público bateu os pés e gritou por mais, fazendo estremecer todo o coliseu. Num ápice o mosh pit alastrou à plateia quase toda para receber no encore South of Heaven, e as muito aguardadas Raining Blood e Angel of Death para terminar com o público extasiado, suado e de alma cheia.
É impossível apontar o dedo aos Slayer quando depois de mais de três décadas a fazer música conseguem permanecer iguais a si mesmos, descomprometidos com a indústria, e sem nunca se curvarem perante a máquina.
Com uma legião de fãs de fazer inveja a muitos, não deixaram em mãos alheias o papel que lhes estava consignado, apesar de Tom Araya confessar que estava rouco. Provaram, sem sombra de dúvida que o thrash metal continua bem vivo num mosh pit que durou todo o concerto e alastrou a todo o coliseu num vigoroso headbanging. Uma coisa é certa, foram reis!
Texto – Isabel Maria
Fotografia – Daniel Jesus
Promotor – Prime Artists | PEV Entertainment