Sábado à noite, Lisboa, Cais do Sodré. Às 22 horas no Cais do Sodré não se sentia nada mais senão calor. Vindo do chão, das paredes, das calçadas, do alcatrão, dos carros que passavam e apenas deixavam no seu rasto mais um rasgo de ar quente no corpo de quem por ali procurava refrescar-se. Impossível. Às 22h a temperatura ultrapassava os 35º e meio mundo regressava ainda das praias.
A noite ainda agora tinha começado mas a maioria dos transeuntes navegava numa ressaca de calor, arrastando-se vagarosamente de um lado para o outro. O Sabotage encontrava-se fresco. Fresco mas não frio. O Nuno Rabino, dj residente, impecavelmente fresco e inspiradíssimo.
Demorou, não foi fácil começar, mas quando se desligaram as luzes e olhámos para o palco vimos apenas pequenos focos como se estivéssemos no espaço, pequenos focos de luz a vir na nossa direcção. O silêncio instalou-se e Tiago castro na persona da sua one man psy band, Acid Acid, tomou conta do nosso universo.
Retornámos ao início dos tempos, navegámos imersos na banda sonora construída para o começo de tudo antes do caos. Antes do caos, pois a sonoridade cósmica construída camada a camada pela guitarra, pedais, órgão e sintetizador, manobrados com uma calma meditativa, adensa-se cada vez mais à medida que a música avança levando-nos aos primórdios, ao big bang, relembrando-nos a cada som acrescentado por cima de outro que somos todos poeira cósmica e que em todos nós reside esse mesmo universo do qual fazemos parte. Esta viagem indispensável no que de melhor se faz actualmente no panorama português durou cerca de 50 minutos, sem interrupção. Um intervalo no mundo. Uma quebra no universo, para que no final possamos enfim respirar.
Coube a Nuno Rabino despertar-nos desse torpor meditativo induzido por Acid Acid e preparar-nos para receber os Wait Until Dark que veem apresentar, na sua estreia no Sabotage Club. o seu primeiro trabalho editado no passado mês de fevereiro, Heart X Cortex.
Os WUD são dois rapazes numa viagem a uma electrónica negra com o seu foco apontado a um certo industrial à procura de respostas para a dualidade que encerra o próprio nome do álbum.
A garra com que se agarram à sua ideia e a ela se submetem sem quaisquer constrangimentos é de louvar, mas talvez levados por algum nervosismo e alguns percalços vocais terão parecido um pouco perdidos do que deles se esperava. Têm a garra capaz de agarrar e desenvolver a ideia inicial projectada pela música e pelas próprias projeções em palco, a garra, a vontade e a capacidade.
Todos os projectos começam assim. Todos os inícios são tortuosos como o são de facto alguns dos temas que apresentam. Mas acreditar e continuar é aquilo que os levará a continuar o crescimento e consolidação da sonoridade da qual tem uma ideia bem delineada e construída.
Texto – Isabel Maria
Fotografia – Luis Sousa