Por vezes, há determinados concertos que transcendem a simples atuação de uma banda, ou artista, ao vivo: espetáculos, festas ou experiências, são muitos os detalhes que impulsionam essa partilha de momentos entre quem está dentro e fora de um palco, tudo com o intuito de se proporcionar algo de marcante. No NOS Primavera Sound, os Death Grips não foram nada disto; não houve festa pois ninguém celebrou, não foi um espetáculo porque o minimalismo prevaleceu e não ocorreram novas experiências pois todos os que marcaram presença no palco Ponto sabiam para onde iam.
Death Grips são destrutivos, avassaladores, e quem os ouve quer ser destruído. Recorrendo a uma forma simples, mas em tudo eficaz – bateria estonteante a ‘partir’ tudo, computadores e teclados a disparar sons apocalípticos em todas as direções e um líder nato, disfarçado de besta faminta, a comandar esta orquestra da destruição – este tripleto oriundo da Califórnia levou à maior enchente do palco Ponto, conduzindo o concerto a uma velocidade frenética desde o início até ao seu término.
Mal as luzes do palco se apagam, o público entra num estado de apoteose e euforia para receber os Death Grips, com MC Ride a ser o último a entrar em cena. À primeira vista, seria difícil não estranhar o estado sereno e calmo com que o rapper brindou o público através de olhares apaziguadores e de confidência; afinal, estes tipos não eram uma personificação ambulante de ‘porrada’?
No espaço de segundos, MC Ride transforma-se completamente, mostrando que afinal toda a sua postura inicial não passava de uma farsa: ao soltar as primeiras palavras de “Whatever I Want (Fuck Who’s Watching)”, complementadas pelos loops electrónicos de Andy Morin, o monstruoso frontman começa a rugir como um fera sedenta por sangue, pulando, esbracejando e arrastando-se pelo palco a dentro, tudo ao mesmo tempo em que leva público inteiro a entrar num estado de maluqueira desmedida, onde ficar em repouso no mesmo sítio não passava pela cabeça de ninguém.
Ainda nem quinze minutos de concerto tinham voado e já havia uns quantos festivaleiros a viajar nas alturas, com o crowdsurfing a ser uma constante durante todo o concerto. Na sonoridade de Death Grips, é possível dissecar vestígios de indícios de revolução, uma revolta contra o sistema e a opressão que visam os dias de hoje, notórios nos gritos de MC Ride que pode até ser visto como o líder de um culto que pretende, acima de tudo, libertar as frustrações e desencadear caminhos de mudança face ao atual estado da nossa corrompida sociedade; os crentes de Death Grips demonstravam os seus sentimentos de repúdio através de headbanging conciso, abertura de clareiras para um mosh não aconselhável aos mais débeis – “Get Got” e “No Love” deram início a esta prática que se foi mantendo ao longo do concerto q.b. – e o já referenciado crowsurfing compulsivo. Em suma, pode-se falar que estávamos perante uma sessão de terapia através de ‘porrada’ (da grossa).
“BB Poison”, “Spikes” e “I’ve Seen Fotage” iam dando o mote de um concerto que, canção após canção, tornava os belíssimos campos verdes do palco Ponto num tornado de poeiras e suor. Aliás, à medida que MC Hamer e a sua trupe iam distribuindo malhas seguidas de malhas, o aglomerado de festivaleiros que se verificava ali ia crescendo exponencialmente, trocando as melodias electropop doces dos Metronomy por algo mais nu e cru. Aos que chegaram atrasados, podem-se dar por felizardos pois o ritmo do concerto manteve-se idêntico durante toda a sua duração, sendo impressionantes a forma como a banda, mesmo algo de cansada, conseguiu manter a mesma postura e entrega pela atuação a dentro – talvez um gesto de agradecimento face aos tumultuosos estados de barafunda que o público iam deixando por ali, ficámos a crer.
Já perto do fim, o apocalipse na terra que os Death Grips vieram a pregar ao longo de uma hora, foi finalmente despertado ao som das avassaladoras “You Might Think He Loves You for Your Money But I Know What He Really Loves You For It’s Your Brand New Leopard Skin Pillbox Hat” e “Guillotine”, sugando o resto da energia que sobrou ao longo de três dias de festival a muitos dos presentes. Todavia, estas vieram bem recarregadas levando a que a sua utilização em excesso levasse a um explosão violenta bem capaz de ter sido registada em um ou outro sismógrafo.
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Com um concerto triunfante e arrecadando o troféu para o melhor concerto do dia, na opinião da Música em DX, os Death Grips justificaram que a espera para que a banda se estreasse em solo nacional valeu todo o milésimo de segundo de espera. Há quem descreva os sons de MC Ride, Zach Hill e Andy Morin como um agressivo hip-hop experimental, mas tal classificação não faz jus ao que estes homens fazem: os Death Grips são os cavaleiros de uma revolução e depois de terem destruído o NOS Primavera Sound, o Parque da Cidade nunca mais será o mesmo.
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Texto – Nuno Fernandes
Fotografia – Luis Sousa
Evento – NOS Primavera Sound’17
Promotor – Pic-Nic Produções