Estávamos em 2014 quando Bruno Pernadas nos atirou com How Can We Be Joyful In a World Full of Knowledge, álbum de estreia que teve tanto de incrível como de fascinante. Desvendou, recentemente, dois álbuns de um só trago: Those Who Throw Objects at the Crocodiles Will Be Asked to Retrieve Them e Worst Summer Ever. Enquanto discutíamos qual dos dois trabalhos mais admiramos, escolhemos tentar alcançar o que passa pela cabeça – e pelos ouvidos – do prolífico músico Lisboeta.
Música em DX – Após um trabalho de estreia impactante, de um só trago deste-nos a conhecer Worst Summer Ever e Those Who Throw Objects at the Crocodiles Will Be Asked to Retrieve Them. Quais são as vantagens e desvantagens de produzir dois álbuns em simultâneo?
Bruno Pernadas – A primeira vantagem é que as pessoas que gostaram do primeiro trabalho podem conhecer uma faceta ainda diferente e mais ampla do que ouviram anteriormente. Podem alcançar um lado mais Jazz, uma sonoridade mais improvisada, uma vez que, sendo dois discos, o que tenho para mostrar é consequentemente maior e mais diversificado. O lado menos positivo desta opção é que, sendo a parte de jazz mais pequena que a parte Pop, os programadores quando nos contactam para concertos acabam por ter de fazer uma opção. Sendo que o álbum Jazz acaba por lhes ser economicamente ser mais viável, acabamos por mostrar menos a outra vertente.
MDX – Quando mostraste o teu primeiro álbum, fez-se um enorme barulho à volta deste trabalho, de repente estavas em tudo o que era listas. Naquela altura esperavas tanto reconhecimento?
BP – Não, asseguro-te que não. Nem sequer idealizava tornar aquele trabalho algo de grande escala. A ideia de fazer concertos nem me ocorria, foram coisas que surgiram depois, o que foi positivo pois levou a que não colocasse limites na criação, na composição ou produção da minha música.
MDX – Verdade, mas mesmo assim teve um impacto incrível. De repente toda a gente falava do teu álbum.
BP – É verdade, quando surgiu a proposta do concerto, as pessoas conheceram e aceitaram bem aquela música. Não estava nada à espera: é uma música mais longa, com estruturas menos fáceis.
MDX – Tens preferência por algum deles, ou são como filhos, que se gosta de igual forma?
BP – Inclino-me para o Those Who Throw Objects at the Crocodiles Will Be Asked to Retrieve Them – chamemos-lhe Crocodiles – apenas por uma razão: as músicas do disco Jazz já as toco há mais tempo, e estou um bocadinho mais cansado de as tocar e ouvir do que as outras, que estão bem mais frescas. No entanto, ao vivo, as músicas do Worst Summer Ever ganham uma nova vida em cada concerto que damos. É uma música orgânica, viva, que se alimenta dos momentos, da interação das músicas e do público. Ainda no recente concerto que demos em Espinho, aconteceram coisas que jamais tinha visto antes.
MDX – A tua música assemelha-se a uma reunião de vários estilos musicais, é-te fácil descrevê-la?
BP – Há uma definição que gosto particularmente, sei que esta não é a mais comum, mas Space Age Pop é algo com o que me identifico. Pode ser uma boa tradução do que é a minha sonoridade, pois refere a factores exóticos, se bem que a minha música tem mais improvisação do que a que esta categoria musical tem normalmente.
MDX – Os títulos dos teus discos são bastante peculiares. Existe algum motivo por trás destas denominações?
BP – Sim, há sempre uma espécie de explicação, história, ou sítio especial de onde o título surgiu. Não é propositado serem longos, acaba por ser acidental. Mas sim, não é casual, há sempre algo por trás de cada nome de cada álbum.
MDX – Desde que deste a conhecer, tanto por parte dos média como do público, a crítica foi bastante unanime. Achas que está na moda gostar de Bruno Pernadas?
BP – [Risos] Não sei, não sei, mas é curioso que este disco, o Crocodiles, teve muito mais nomeações – e aparece em muito mais listas – e é um facto que o tocamos muito menos que o primeiro disco, o que é bastante estranho. Mas não sei responder a isso.
MDX – Parece-me que no primeiro disco não tinhas um plano demasiadamente definido, deixaste que tudo acontecesse sem pensar muito nisso. Agora, pensas nos próximos passos deste projecto?
BP – Sim. Aqui a questão é que fiz estes discos, mas nestes anos de 2016 e 2017, compus imensa música encomendada. Para dois filmes, para duas peças de teatro, e para um bailado, o que leva a que na minha cabeça tenha produzido quatro discos. Na verdade aquilo podiam ser álbuns. O que faz com que não tenha toda a pressa em voltar a fazer discos de originais. Mas sei que quando fizer serão bem diferentes. Sendo que em Dezembro deste ano vamos ao CCB tocar com o Ricardo Toscano como solista, vai ser um evento único, sabes: estou a escrever música e a fazer arranjos de algumas músicas. Vai haver muita música nova propositadamente para evento.
MDX – Por música nova referes-te a música diferente do habitual?
BP – Alguma música diferente sim, mais contemporânea, mais acústica, mais próxima da música erudita. Vai ser dentro desta onda, o tal Space Age Pop, mas adaptada a cordas e sopros.
MDX – A nível de concertos qual foi que mais curtiste? Alguma história caricata?
BP – Desde que começamos os concertos têm sido gradualmente melhores, pois à medida que fomos tocando tudo ia melhorando. Mas lembro-me que durante muito tempo foi o do NOS Primavera Sound, mas o concerto de Coimbra – que foi o lançamento do disco mais a Norte –foi muito-muito bom. A energia era incrível, as pessoas estavam inteiramente atentas , queriam mesmo ouvir a música. Nós estamos mesmo muito juntinhos, o que é raro, portanto tínhamos um som muito bom. Gostei muito daquela energia. Mas temos tido concertos muito bons, como o do Mexefest, o do Forte, e em Ovar.
MDX – fazes distinção entre pequenos, médios ou grandes palcos?
BP – A minha sonoridade adapta-se igualmente muito bem, mas não prefiro palcos e auditórios demasiadamente grandes. No entanto, mesmo sendo a minha música minuciosa, cai muito bem em festivais, por exemplo. Aliás, gosto muito de tocar em festivais.
MDX – Em breve irás tocar ao Super Bock Super Rock, quais as tuas expectativas relativamente a este concerto e a este festival?
BP – Vamos a apresentar um concerto nos moldes que temos feito, as grandes alterações ficam para Dezembro. As pessoas estão ainda a descobrir a este trabalho, e é fundamentalmente isso que lhes queremos dar. Obvio que tocar num SBSR é um excelente palco para isso.
MDX – Relativamente à tua história caricata, não me esqueci.
BP – Vão acontecendo histórias, claro. A mais caricata por acaso é horrível, é uma má memória. Fomos tocar a um pequeno festival do norte, e começou na forma como nos receberam, acabando em não nos deixarem terminar o concerto porque tinham outro concerto a seguir. Tudo aquilo foi anedótico.
MDX – Que tens ouvido de novo nos últimos dias?
BP – Estive a ouvir umas cassetes de um historiador americano que gravou músicas tradicionais pós escravatura. Tem um registo enorme, mais de trinta trabalhos em que reúne vários registos: temos músicas de presidiários, músicas dos campos de algodão, ou música das zonas rurais do Mississipi. A banda sonora do Fargo é muito boa também.
MDX – E música portuguesa?
BP – Na área do Jazz tenho ouvido coisas bastante interessantes: O João Barradas, que tem uns 23 anos e provavelmente nos próximos anos vai ser o músico Português a tocar mais no estrangeiro.
MDX – Guilty Pleasures, temos?
BP – Imensos, não tenho vergonha. Abba, por exemplo. Whitney Houston, que não é bem um Guilty Pleasure porque aqui é mesmo muito bom. Sou mesmo viciado em duas músicas dela: o Run to You e a I Have Nothing, especialmente a versão ao vivo. A performance dela é impressionante.
MDX – Recentemente surgiu uma pessoa que, à tua semelhança, tem um background no Jazz e uma sonoridade baseada em processos simples. Como vês a direção que a música está e irá tomar.
BP – É um fenómeno, mas é um fenómeno isolado. Por acaso li hoje artigos que falam disso, mas não sei se chega. Até pode contribuir durante algum tempo para isso, mas não haverá uma mudança muito significativa. A música até pode mudar, mas a industria não. Esta industria funciona à semelhança das grandes empresas, isto é, com base no lucro. E hoje na música há, infelizmente, pouquíssima gente a apostar em projectos com muita qualidade mas depois não vendem imenso. Apenas as editoras e o agenciamento Indie o fazem, mas isso ainda se trata de um nicho.
MDX – Mas repara que com a música Portuguesa, por exemplo, teve imensos focos, que seriam insuficientes para ser um movimento, mas todos juntos tornaram-se com um peso considerável. Atualmente a música Portuguesa tem incomparavelmente mais fulgor que o que tinha há uns anos.
BP – Sim, sem dúvida. E tem muito mais qualidade, mesmo no sentido dos instrumentos, as pessoas tocam melhor. É claro que vão haver sempre movimentos e franjas, e isso deve-se fundamentalmente às nossas influências. E as influências atuais baseiam-se muito no revivalismo dos anos setenta, muito à conta dos Tame Impala e de bandas do género. Mas obviamente a música portuguesa está em expansão, como vemos com o Zambujo, o Camané, a Cristina Branco. Além disto não podemos descorar que quem faz mais concertos e tours pelo mundo são grupos Portugueses, como os Madredeus ou os Moonspell, que já o fazem há muitos anos. Já me aconteceu estar na Grécia e na Itália e dizer que sou português e falarem-me nos Moonspell. Nos anos 90 conheciam bandas Portuguesas de hardcore, os X-Ato.
Os próximos concertos de Bruno Pernadas em Julho serão dia 14 em Almada e dia 15 no Super Bock Super Rock.
Entrevista – Tiago Pinho
Fotografia – Luis Sousa | Vera Marmelo (Capa)