Ao longo de duas semanas, o EDPCoolJazz ofereceu ao seu público concertos para todos os gostos e feitios, todos carimbados com selo de qualidade. Para o seu último dia, o festival de Oeiras trocou a volta de tudo e de todos quando, em vez de um concerto, remeteu-nos para um espetáculo de proporções épicas: Jamie Cullum, o eterno ‘namoradinho’ de Portugal. Pequeno de estatura – algo como um metro e sessenta e quatro centímetros – mas enorme enquanto músico, o britânico transforma-se num colosso a partir do momento que pisa um palco, algo que já habituou o público português, ou não tivesse passado catorze dos seus vinte anos de carreira por terras lusitanas.
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Apesar de ser uma presença tão constante por Portugal, Jamie Cullum consegues atrair milhares de fãs como se da primeira vez se tratasse: no preciso momento em que as portas para o estádio do Parque dos Poetas se abriram, nunca houve um instante em que não se verificassem filas. Jovens e adultos, casais e famílias, o público era do mais heterogéneo possível, mas independentemente da idade, o desejo em ver Cullum era igual em todos.
Antes que o evento principal da noite matasse saudades por Portugal – esteve cá recentemente, mas uma cidade tão bela como Lisboa deixa sempre saudade – houve ainda tempo para uma bela surpresa no lusco-fusco de um ventoso sábado, Beatriz Pessoa.
Deambulando por uma pop melancólica que tudo tem para soar a doce, Beatriz Pessoa espremeu a meia hora a que teve direito para mostrar o seu único trabalho discográfico, o EP Insects lançado o ano passado, acariciando o público com a sua sonoridade simples e calma. Apesar da tenra idade e de estar naquele que, provavelmente, foi o palco de maiores dimensões onde já atuou, Beatriz não vacilou e mostrou-se segura e à vontade, chegando mesmo a mostrar temas inéditos onde, quer fosse atrás de uns teclados decorados com luzes de Natal ou apenas com um microfone em punho, está aqui para ser ouvida. Provavelmente, muitos foram aqueles que foram pesquisar o seu nome na internet mal o concerto terminou…
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Com um tempo de espera incrivelmente prolongado – quarenta minutos certos – face ao quarto de hora habitual entre concertos ao longo do festival, o estádio do Parque dos Poetas ia compondo-se cada vez mais numa vívida maré humana, ganhando cor quando foram distribuídos tubos luminosos alusivos à produtora do festival. Estando o cenário montado para Jamie Cullum, este foi recebido sobre uma calorosa chuva de palmas e no preciso momento em que se instala em palco, a festa arrancou a todo o gás.
Apresentando logo ao início “Work Of Art”, primeiro avanço do futuro oitavo longa-duração do artista, a noite estaria reservada para os grandes clássicos da carreira de Jamie Cullum. À segunda música, “When I Get Famous”, Jamie senta-se atrás de um piano que personificou um trampolim, ou não tivesse passado pela cabeça deste pequeno gigante dar um salto acrobático que deixou meio mundo rendido à sua irreverência. Entre tocar o instrumento, bater palmas, saltos, despir casacos, levantar e sentar sucessivos, piropos para as fãs, Jamie soltava uma incrível energia em palco, mas para que o conhece, sabia que isto era apenas um cheirinho do que estava para vir aí.
Como manda a tradição, os fotógrafos de imprensa apenas tiveram direito às três primeiras músicas da praxe, e no preciso momento em que abandonam o fosso, Jamie Cullum, interrompendo o início de “All Over It Now”, despede-se dos mesmos – “Xau, Xau, Bye” – entre gargalhadas e a arrancar risos da plateia. De forma irónica, seguiu-se “Don’t Stop The Music”, uma das muitas covers do artista que, ao depositar tanto da sua essência e cunho pessoal, quase que nos esquecemos que se trata de uma versão de um tema de Rihanna; mais tarde, poder-se-ia dizer que foi uma analogia a todo o festim de música sem pausas que se viveu ao longo da noite.
“Olá Lisbon! Olá Lisboa! Thank you, obrigado!”
Quer fosse em inglês ou em tentativas de português, era notório o ar de felicidade na cara de Jamie Cullum quando se dirigia ao público, sendo palpável o sentimento de saudade que nutria pela cidade. E o público, também deu o ar de sua graça em prová-lo. Ver um concerto de Jamie é como reencontrar um velho amigo, onde mesmo com a passagem de anos a fio, o tempo passa a voar e não nos é possível deixar de decorar a nossa face com um sorriso genuíno, orgulhoso de todas as peripécias e aventuras que o dito amigo viveu e experienciou. A cada música que Jamie Cullum soltava, raro era o membro do público que não tivesse um sorriso estampado na cara, mesmo que já tivessem ouvido aquelas histórias por outras passagens por Portugal. Atrás de um blazer – voou logo nas primeiras músicas – e de um camisa toda janota, escolha acertada para a ocasião, quem está ali é o pequeno jovem que cresceu connosco, quando as calças de ganga e a t-shirt básica eram a indumentária de eleição.
Fosse qual fosse o vestuário deste artista, aquilo que corre nas suas veias é um amor tremendo pela música e uma demanda por tentar soltar toda essa paixão independentemente do instrumento ou técnica utilizada para libertar sons: piano, percussão ou através do seu timbre docemente juvenil, Jamie Cullum respira música e sabe-o. Artista com A maiúsculo, este tipo sabe como dar concertos e, acima de tudo, como entreter uma plateia: quando as primeiras notas de “Next Year Baby” são soltas – induzindo o erro de que poderia ser um dos seus maiores êxitos, “Everlasting Love”, única gralha num concerto onde pouco mais houve a apontar – Jamie separa a plateia em três grupos distintos, para que cada um pudesse tentasse recriar uma das sonoridades do tema. Tarefa cumprida com sucesso e que só ajudou a cimentar o lugar do público na palma da sua mão.
Dado a temática do EDPCoolJazz, os concertos decorrem com o público sentado. Uma vez por outra há uns quantos corajosos que lá se levantam, mas talvez a sensação de serem os únicos que estão para aí virados não faz com que permaneçam assim muito tempo. Todavia, como é que se faz uma festa sentado numa cadeira? Jamie Cullum não soube responder a essa questão o que o fez tratar desse assunto à sua própria maneira, descendo do palco para saudar alguns felizardos que tiveram, numa questão de segundos, oportunidade para abraços e umas quantas selfies desfocadas. Convidando informalmente o público a levantar-se, desencadeou-se todo um cenário festivo que culminou num enorme ‘comboio’ que colidiu com Jamie no palco e trouxe como bagagem, muitos e muitos fãs a ocupar o fosso. “Everything You Didn’t Do” foi a machadada final na tarefa de levantar todo o estádio do Parque dos Poetas. E nunca mais houve alguém sentado.
Com o concerto a aproximar-se do fim, houve tempo para mais uma versão ‘emprestada’ a Jamie Cullum que, tal como a de Rihanna, já se tornou num marco na carreira do músico e presença constante nos seus concertos: “High And Dry”, tema de Radiohead que o britânico remodelou numa bela balada. Não querendo terminar num registo tão melancólico, e já no encore, a festa final fez-se ao som de “Mixtape”, com o artista a desafiar o público a cantar, dançar e a saltar consigo. E o público assim o fez. Com uma vénia que juntou toda a banda, Jamie Cullum não poderia ter esperado por uma despedida tão calorosa, já que saiu de palco sobre uma enorme chuva de palmas e com todo o estádio a entoar os “Oh oh oh” do tema término.
Após quase duas horas (!) de concerto que souberam a pouco, Jamie volta só para o palco, para a companhia do seu piano. Num inédito nesta tournée, o artista britânico fez um segundo encore onde, após congratular e elogiar um público tão bonito, premiou-os com um dos seus temas mais emblemáticos mas que não tem a felicidade de ser interpretado tanta vez ao vivo como merecia: “Gran Torino”. No momento mais bonito do concerto, Jamie Cullum tocou o tema de forma tão intimista e irrepreensível que o mínimo de barulho vindo da plateia era rapidamente silenciado pelos fãs, naquela que foi a ocasião mais arrebatadora e arrepiante que o alegre timbre de Cullum atingira naquela noite.
Já com as luzes do estádio acesas numa tentativa de fazer o público a dispersar, não havia ninguém que não comentasse o espetáculo que tinha acabado de acontecer em Oeiras; para alguns, o melhor concerto das suas vidas, já para outros sem dúvida que tinha sido um dos grandes deste ano. No nosso caso, o sentimento era simples: qualquer apaixonado por música deve um dia ter o previlégio de ver Jamie Cullum ao vivo, tudo para que possa ver como é que um tipo de metro e sessenta consegue, em duas horas, ter o tamanho do mundo.
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Texto – Nuno Fernandes
Fotografia – Luis Sousa
Evento – EDPCoolJazz’17
Promotor – Live Experiences