Sandra Baptista deu-se a conhecer como acordeonista dos saudosos Sitiados – banda que marcou os anos 90 com a ajuda de êxitos como “Vida de Marinheiro” ou “Vamos ao Circo” – tendo depois participado nos A Naifa, banda que também contava com Mitó Mendes. As duas, e só elas, juntaram-se recentemente para formar as Senõritas, projeto que revela a maturidade, musical e pessoal, destas senhoras. Falámos com Sandra Baptista a propósito da atuação agendada para o Festival Bons Sons (Cem Soldos), mais especificamente no Palco Giacometti, no dia 12 de agosto.
Música em DX (MDX) – Como enquadra o Festival Bons Sons nesta enorme oferta de festivais em Portugal?
Sandra Baptista – O Festival Bons Sons é um festival único, não há comparação alguma que eu conheça, em termos nacionais e internacionais. Tenho uma paixão muito grande pelo festival e pela forma como ele é criado. É um festival muito particular, é muito único, muito familiar, que envolve as pessoas da aldeia e que desenvolve uma relação com as pessoas muito única. E o meu projeto com a Mitó, as Señoritas, também é um bocadinho isso, somos nós numa forma muito única de estar e de querer estar em contacto direto com as pessoas e o Bons Sons tem essa particularidade, é que podes estar diretamente com o público.
MDX – Ambas já atuaram no Festival Bons Sons, com o projeto A Naifa. Que recordações guarda desse espetáculo?
SB – Completamente apaixonante. Foi um espetáculo muito bom e guardo as melhores recordações. Não só o estar a viver a aldeia, mas também o estarmos em cima de um palco a contribuir para esse festejo.
MDX – O universo patente nas suas letras é tendencialmente urbano, como vê agora o levar essas letras para um ambiente totalmente rural?
SB – As letras poderão eventualmente ser interpretadas como urbanas, mas de certa forma elas nasceram de um lado mais emocional, e todos nós temos essa carga emocional. Todos acabamos por ter relações que dão e que não dão e pensamentos das mortes e das vidas. E todas essas embrulhadas acabam por estar inerentes nas letras das Señoritas. No fundo, acaba por ser uma carga energética, uma alma muito específica que é a das Señoritas.
MDX – Preocupa-lhe o constante despovoamento do mundo rural e a enorme concentração de pessoas nos grandes centros urbanos?
SB – Eu vou dar-te uma opinião muito pessoal. Eu vivo numa zona muito rural, a 30 quilómetros de Lisboa, e lá tenho uma série de coisas que na cidade não tenho e noto que o meu grupo de amigos está a sair de Lisboa e à procura de ir para uma zona mais rural. Agora as cidades estão a ser invadidas pelo turismo e as próprias pessoas que estão em Lisboa já não se estão a identificar tanto com as grandes cidades e têm a necessidade de sair. Acho que daqui a muito pouco tempo, as pessoas da cidade estarão à procura de novos espaços, de novos estados e o lado urbano acaba por ser um pouco mais supérfluo e fútil e elas vão ter cada vez mais a necessidade de se conectarem e de estarem mais ligadas com a natureza e com um estado de alma completamente diferente, que não têm no lado urbano.
MDX – A vossa atuação será ainda numa lógica de promoção do vosso primeiro álbum – Acho Que é Meu Dever Não Gostar – ou também olhará para o futuro, surgindo novos temas?
SB – Sim, vai haver essa abordagem. Vamos tocar pelo menos uma música do próximo trabalho das Señoritas. Estamos a hibernar completamente para o novo trabalho, encontramo-nos no processo criativo. Queremos que ele saia em 2018. O Bons Sons vai ser um bocadinho aquele espaço em que vamos sair da nossa toca e iremos apresentar pelo menos um tema, um ou dois ainda não sabemos bem. Mas vamos continuar com o primeiro álbum, que ainda não está propriamente bem ouvido e devidamente bem rodado, mesmo para nós, como é um projeto novo, ainda estamos a criar as personagens e o próprio espetáculo em cada concerto que fazemos.
MDX – O próximo disco sairá então em 2018. Seguirá a mesma linha do primeiro em que as duas fazem tudo, ou terá convidados e mais gente envolvida?
SB – Para já, neste momento continuamos nesse patamar, porque sentimos que ainda não esgotámos esse patamar, nessa parte criativa. Estamos numa outra abordagem sim, a criar novos arranjos com outro tipo de letras, que faz um seguimento do primeiro álbum. Sei, porque sentimos isso, que mais dia, menos dia, até porque para nós mesmas vamos sentir essa necessidade, vamos ter de pedir uma colaboração com um determinado músico ou um amigo, nós funcionamos muito mais com a amizade, as Señoritas existem por causa da amizade que eu e a Mitó temos, de outra forma era impensável. Enquanto não sentirmos a necessidade de haver aqui terceiros ou quartos elementos, como sabemos muito bem o que queremos, as coisas estão muito definidas e trabalhamos tão bem ao nível intuitivo e queremos manter esse lado.
MDX – O Festival Bons Sons atrai um público muito diferenciado a todos os níveis. Que tipo de pessoas acha que se irão deslocar ao Palco Giacometti para vos ver e ouvir?
SB – Não pensei nisso. Eu sinto-me como parte do público do Bons Sons. É o único festival que eu não perco, todos os anos vou lá. Eu como público tenho de pensar em pessoas como eu. Eu acho que atinge várias gerações e até algumas famílias. Tem espaço para toda a gente. Basicamente vamos estar a tocar para pessoas que espero que estejam recetíveis em receber o que temos para dar naquele momento.
MDX – O facto dos discos praticamente já não se venderem, ao contrário do que acontecia no tempo dos Sitiados, não levará a uma menor pressão das editoras e, consequentemente, a uma maior liberdade de composição, como acontece agora com as Señoritas?
SB – Eu sou um mau exemplo disso. Porque quando os Sitiados gravam o primeiro disco, para a BMG, com o Tozé Brito à frente, ele disse-nos que se vendêssemos 2.000 discos estava porreiro e “Sitiados” vendeu 40.000. A partir desse momento, ficámos com tapete vermelho para todos os discos que vieram a seguir e por isso nunca nos condicionaram nada. Trabalhámos sempre com uma liberdade total. Como tal, nunca tive essa referência. Depois, também tive um mestre na minha vida, na música, um génio, que foi o João Aguardela, que com o projeto Megafone mostrou que na altura era possível gravar um disco sem editoras. Com A Naifa também fiz o que quis e agora com as Señoritas ainda estou com mais liberdade. É um projeto que está a ser dirigido e comandado por mim e pela Mitó, dependemos de nós e somente de nós, e fazemos questão de não estarmos agarradas a nenhuma editora e a nada extra, precisamente para continuarmos com essa liberdade.
MDX – A temática presente nas vossas letras vai ao encontro daquela ideia de que quando chegamos aos 40 anos deixamos de ter ilusões em relação à vida?
SB – É curioso, eu não sei se é dos quarenta ou não. Eu sei que a vida, à medida que vais andado pela vida fora, vais acumulando danos e isso por um lado é triste, porque tens menos tempo de vida, e viver é bom, mas ao mesmo tempo tens mais sabedoria e consegues escolher e concentrar mais o que tu queres na vida, e não estares tão disperso, e a idade está a dar-me isso. Eu neste momento estou somente com quem eu quero estar, só estou com o que realmente quero fazer. Não quero perder tempo com quem não mereça, porque estou a sentir que o meu tempo está a ficar mais curto e eu não quero estar a perder tempo. Enquanto estivermos saudáveis e conseguirmos manter o nosso equilíbrio e a nossa harmonia, e estarmos conectados, podemos chegar aos 90 anos felizes, satisfeitos e contentes da vida. Este trabalho das Señoritas é um bocadinho uma descarga emocional desse lado. Como eu e a Mitó não choramos, no sentido que estamos bem, com uma boa autoestima, canalizamos nas Señoritas o nosso lado mais negativo, mais depressivo e é para aí que a nossa arte torna-se mais criativa, inconscientemente.
MDX – Neste momento, e tendo em atenção a atualidade, o que considera ser seu dever não gostar?
SB – Acho que é nosso dever não gostar de tudo aquilo que a sociedade nos impõe. E que sejas obrigado a fazer, só porque és obrigado e porque és obrigado a ser. Temos cabeças e cada um deve pensar por si e tomar posições e opiniões e fazer pelos valores de cada um, e isso é muito importante. A sociedade está a criar-nos máquinas e robôs, estamos todos formatados e temos de estar todos por igual, se fores diferente és posto de lado e és rejeitado pela própria máquina. As Señoritas acha precisamente o contrário, aquele que está deformado é o que tem caraterística, que se evidência por essa “deficiência”, e como tal tem de ter realce e importância. Daí dissermos que Señoritas é um universo perfeitamente imperfeito, porque a nossa vida é imperfeita e gostamos de realçar isso.
MDX – Olhando para o cartaz do Festival Bons Sons, que concertos não vão querer perder?
SB – O Medeiros/Lucas vou ver. Mão Morta é obrigatório, já não os vejo há muito tempo. O Paulo Bragança também não o vejo há muito e quero ver como o rapaz está. Samuel Úria nunca o vi ao vivo e tenho essa curiosidade. Estes são para já os obrigatórios e depois há uma série de projetos que eu não conheço e vou dar um bocadinho esse espaço ao Bons Sons para surpreender e ver o que está de novo a acontecer.
As Señoritas apresentam-se a 12 de agosto no Festival Bons Sons, em Cem Soldos.
+info em reportagens > bons sons | bonssons.com
Entrevista – João Catarino
Fotografia – Marta Louro