Em mais uma infame noite de Black Balloon, o Lux acolheu duas sólidas promessas no panorama musical português: Jasmim e Luís Severo. Enquanto o primeiro começa a dar os primeiros passos em busca de uma carreira na atual cena portuguesa, recaiu sobre o segundo a tarefa de ser a principal atração da noite, ou não tivesse Severo um dos melhores e mais bonitos álbuns nacionais deste ano.
Numa apática noite de sexta-feira, que convidava a recorrer à discoteca mais badalada da capital para repor as temperaturas calorosas típicas que se registam em Julho, a sala de concertos do Lux foi-se compondo de calor humano lentamente mas de forma constante. Entre dois dedos de conversa, lá se bebia a típica imperial pré concerto para se matar tempo até o dito.
Faltando um quarto para as onze da noite, Martim Teixeira, homem que assina por Jasmim, sobe ao palco e, como consequência, origina um arrastão até junto do palco, não se quisesse perder pitada do talentoso jovem que outrora fazia-se ouvir apenas através dos Mighty Sands.
De teclista de uma banda até frontman do seu próprio projeto vão apenas dois passos, e Martim deu-os sem receios. Trocando os teclados do passado por uma catita guitarra em forma de ovo, Jasmim mostrou que também sabe assinar temas melancolicamente doces e com uma lírica facilmente identificável. Com o EP Oitavo Mar a soar de forma tão delicada em palco como no seu registo físico, o cantautor mostrou segurança e à vontade num palco tão conceituado como o do Lux, ou já não tivessem tocado por lá artistas que certamente constam na lista de influências de Martim.
Se há algo que deixa tanto fã como espectador satisfeitos e, de certo modo, contentes pelo próprio artista, é ver a forma como este se diverte e mostra essa felicidade em palco. Ao longo de temas como “Caio”, “Sem Pressa”, “Loucura” e até a recente “Dono da Razão”, Martim mostrava-se orgulhoso pelo culminar das suas ideias e do seu árduo trabalho terem dado fruto a temas suficientemente consolidados ao ponto de deixar um sorriso na cara de muitos ao longo da plateia. Deixando o público levar-se pela onda da sua própria música, nua, crua e pura, o arranque da noite não poderia ter começado de melhor forma, adoçando o apetite para o homem que se seguia.
Com uma sala ligeiramente mais compacta, a ânsia por Luís Severo crescia a passos largos. Numa noite em que se faria acompanhar pelos parceiros no crime Bernardo Álvares e Diogo Rodrigues, o palco estava montado para que todo o cenário intimista e emotivo do seu mais recente disco, o homónimo Luís Severo, fosse transposto para a temática do ‘ao vivo’.
“Cantei ao vento norte, para a avalanche te dar direção (…) tu que falas de sorte, agora, que já te falta coração.”
No preciso momento em que Luís sobe ao palco e solta os primeiros versos de “Amor e Verdade”, há um arrepio na espinha. Podemos nunca ter falado ou convivido com o artista, mas isso não nos previne de tão bem nos identificarmos nas suas preces. Luís Severo fala de amor, ele sabe como o faz sentir e o quão sortudo um se pode sentir por o ter presente nas nossas vidas. Todavia, sabe que este pode ser cruel, destruidor. Luís sabe ver a luz ao fundo do túnel, sim, mas não é por isso que não deixa de descrever o negrume que a estrada até lá acata. Talvez por não romantizar o conceito de ‘amor’ e mantê-lo tão ‘preso’ na terra, explica o porquê da música de Luís Severo nos soar tão realista.
Sorridente e bem-disposto perante uma plateia que tinha as letras na ponta da língua, mas optavam por trauteá-las de forma a não roubar o estrelato ao main event daquela noite do Lux, Severo rapidamente trocou a sua Telecaster por um robusto teclado, “puxando-nos para a pista, para que se dance” ao som de “Ainda É Cedo”, faixa inaugural do seu primeiro disco, Cara D’Anjo. A discrepância entre o cenário de ambos os discos é enorme, ou não fosse a ternura do primeiro a antítese total do algo mais sombrio homónimo, com as sonoridades a variarem q.b.. Todavia, Luís tentou conciliar o melhor de ambos num repertório que tentou conciliar o melhor de cada um, mas, infelizmente, esta fusão fez com que a sonoridade mais emotiva do seu mais recente disco se perdesse um pouco.
Apesar do concerto seguir numa trajetória unilateral, onde os teclados de Severo prevaleciam sobre a guitarra esquecida de “Amor e Verdade”, o músico, seguro de si e com a voz no ponto, conseguiu fugir ao rótulo do ‘piloto automático’ em que todas as músicas poderiam soar iguais umas às outras. O cunho pessoal que Luís Severo deposita em cada um dos seus temas, notável em maior grau nas mais recentes, levou a que estas se fosse diferenciando uma das outras, mesmo dos “ohhs” e “meu amor”, vocabulário de praxe nas músicas de Severo, que se repetiam em múltiplas canções.
A sobrecarga de teclados não foi necessariamente algo pejorativo na atuação de Luís Severo, atenção. Se não existissem, certamente que “Escola” e “Planície (Tudo Igual)” não conseguiriam deixar a mesma marca com que o fazem em casa, no carro ou num jardim numa agradável tarde de Primavera. Claro que por cada “Canto Diferente” cuja agradável simbiose entre teclas e voz quase que nos remete para a atual onda de B Fachada, haverá sempre uma “Meu Amor” que faz aquilo que Luís sabe melhor: ‘bater forte cá dentro’.
Talvez não sendo o concerto mais intimista que já se viu de Luís Severo, verdade seja dita que estamos perante um músico de requinte, ora não fosse este alguém que consegue tão facilmente adaptar-se às adversidades e aos diferentes meios ambientes em que está envolvido, como um camaleão. Seja em que ambiente for, em viagens introspetivas ou por sorrisos estampados nos lábios, lá estaremos sempre para navegar ao lado de Luís Severo, o ‘Capitão Romance’ dos tempos modernos.
Texto – Nuno Fernandes