Ao terceiro dia da oitava edição do Festival Bons Sons, já a aldeia de Cem Soldos está a funcionar em velocidade cruzeiro. Com o país mergulhado numa guerra tremenda contra os incêndios, esta irredutível aldeia mantém-se serena, tal e qual como o espírito do evento que lá decorre por estes dias. Se no domingo de manhã ainda era notório o muito fumo no ar, ao longo da tarde ele foi desaparecendo e a atmosfera foi ficando cada vez mais limpa e agradável.
De Tomar a Cem Soldos é um saltinho e nem é preciso o GPS para lá chegar, basta seguir as muitas setas que indicam o caminho. Chega-se e estaciona-se o carro facilmente, neste caso num antigo campo de futebol de onze.
Entra-se no recinto do festival, que corresponde a todo o perímetro da aldeia, e deparamo-nos com os Moços da Vila no Palco Música Portuguesa a Gostar Dela Própria (MPAGDP), localizado dentro da igreja, que se encontrava cheia que nem um ovo para escutar estes jovens senhores. Muito bem-dispostos e a conseguirem prender a atenção de todos os presentes. Lá perto, fica a Garagem, onde os mais corajosos põem-se a tocar, nos vários instrumentos disponíveis, com desconhecidos, numa espécie de jam session descontraída.
Durante a tarde o calor é muito e ao percorrermos o recinto rapidamente nos apercebemos das semelhanças entre este festival e as muitas festas de verão que se realizam por esse país fora, desde a decoração até à necessidade da compra de senhas para os comes e bebes. Tudo na aldeia é aproveitado para que o Festival Bons Sons seja uma realidade, desde a igreja à sede da Junta de Freguesia.
No Palco Giacometti encontramos a Joana Barra Vaz, que com a sua voz define a própria sonoridade dos temas, já que todos os instrumentos a acompanham para os todos os sítios que ela os quer levar. Para quem a ouviu pela primeira vez, fica a ideia de que com mais audições se poderá descobrir outras coisas mais profundas para além da sua voz, que tanto tem de meiga como de agressiva.
Partimos para o Palco Tarde ao Sol para ver os Sonoscopia, mas quando lá chegamos deparamo-nos com uma espécie de instalação, colocada em cima do palco. Mais tarde, fica-se a saber que se trata de uma orquestra, composta pelos mais diversos objetos e comandada por um computador. Olhando para a complexidade do objeto, fica-se com a ideia de que deve ter dado uma enorme trabalheira montá-lo, no entanto, e olhando para o espetáculo como um todo, sobressai a falta do elemento humano.
Voltamos ao Palco Giacometti, para ver e ouvir Captain Boy, projeto de Pedro Ribeiro, que entra em cena ao ritmo da batida do seu próprio pé na madeira do palco. Apesar de alguns problemas de som pelo meio, ficou nítida a forte influência da música country naquilo que faz, ora sozinho com a sua guitarra, ora acompanhado por uma banda. A sua voz por vezes faz lembrar Johnny Cash, ou até mesmo um Jim Morrison.
Regresso ao Palco Tarde ao Sol para saborearmos os Sampladélicos, que se tornaram na surpresa mais agradável do dia, ajudados pelo facto do sol entretanto ter desaparecido e assim a temperatura ter baixado. O cenário era interessante, já que tínhamos um palco montado à frente da igreja, acima do qual encontrava-se um ecrã, ao fundo, o que fazia com que quando se olhasse para o palco, viam-se as imagens do ecrã sempre acompanhadas da fachada da igreja, formando um conjunto interessante e contraditório. Os Sampladélicos andaram pelo país a fazer gravações áudio e vídeo do que Portugal tem de mais tradicional, para depois, ao vivo, misturarem estas duas vertentes, sempre com a preocupação de dar o ritmo necessário para fazer com que o público se mexa, o que aconteceu. Prova superada!
Paulo Bragança ficou encarregue neste dia de abrir o Palco Lopes-Graça. O senhor que andou algum tempo desaparecido, continua excêntrico na imagem, mas está agora mais convencional em termos de sonoridade. As luzes a incidirem de trás para a frente, tornaram a personagem ainda mais obscura. Continua sem dúvida com uma voz que se destaca e que nos envolve. A dado momento do concerto, informa o público de que a partir daí só iria cantar temas inacabados, talvez a pensar num próximo álbum. Venha ele!
Quem abriu o Palco Eira foi Samuel Úria, que já arrasta consigo uma fiel legião de fãs, como se pôde verificar ao longo da atuação. Eira cheia de gente, principalmente um público mais jovem, que o mais velho ficou a guardar lugar para ver o José Cid, e um palco dominado pela arte pop. Samuel Úria domina por completo o palco e comunica constantemente com o público, quase sempre recorrendo ao seu humor tão caraterístico. As suas músicas ora seguem um estilo mais de cantautor, ou então recorrem a fortes guitarras, trazendo ao de cima uma sonoridade a fazer lembrar os britânicos Blur.
Termina o concerto de Samuel Úria e grande parte dos presentes desloca-se para o Palco Lopes-Graça, onde José Cid iria interpretar na íntegra o mítico álbum 10.000 Anos Depois Entre Vénus e Marte. Cid sabe da importância do disco e não é de admirar que arranque a sua prestação informando a plateia dos diversos prémios que foram atribuídos a este álbum marcante na história do rock progressivo. A acompanhá-lo em palco, encontra-se uma banda de peso, com músicos bastante evoluídos em termos técnicos, evidenciado nos muitos solos realizados durante a uma hora do concerto. Foi encantador ver muitos jovens a cantar todos os temas do álbum, editado muitos anos antes de terem nascido.
Regresso ao Palco Eira, para presenciar o profissionalismo e a competência dos Orelha Negra. Tudo a bater certo e a cumprirem na perfeição a missão que lhes coube no dia três do Festival Bons Sons 2017.
Depois, regressa-se a Tomar, a bonita cidade por onde passa o Rio Nabão.
Todos as reportagens Bons Sons’17 estão disponíveis em:
+ Crowd surfing, mosh e brindes com tinto no primeiro dia do Festival Bons Sons 2017
+ Bons Sons 2017, ao terceiro dia, Cem Soldos embarca na viagem de José Cid
+ Último dia de Bons Sons 2017, final de luxo com Rodrigo Leão
Texto – João Catarino
Fotografia – Carlos Manuel Martins e Pedro Sadio | Bons Sons 2017
Evento – Bons Sons 2017
Promotor – SCOCS