Quarto e último dia da edição 2017 do Festival Bons Sons. Pela forma extraordinária como tudo correu, não restam grandes dúvidas de que este evento, que se realiza agora anualmente, terá por cá muitos mais anos. Muito público, excelente organização, artistas, todos portugueses, de qualidade e um belo conceito a servir-lhe de base. Tudo em conjunto faz com que este festival se distinga dos demais.
Sendo o dia derradeiro, notava-se já aqui e ali algum cansaço entre o público, havendo quem já se deitasse onde calhasse. Felizmente que o dia esteve bem mais fresco do que o anterior.
O Auditório reservou-nos uma série de curtas-metragem, quase todas provenientes de países de língua oficial portuguesa, que ajudaram a comprovar a diversidade deste festival, que é muito mais do que simplesmente concertos de música em diferentes espaços.
Como é costume, o dia começou pelo Palco MPAGDP, onde encontrámos as Moçoilas. Três senhoras muito certinhas e muito afinadinhas nas suas cantorias, conseguindo uma forte adesão de quem enchia a igreja da aldeia. Às pessoas foi pedido, por parte das moças, que soltassem os galos e as galinhas que existem dentro de elas, criando um momento bem interessante e original.
Marco Luz abriu as hostilidades do Palco Giacometti e apesar de se apresentar sozinho, conseguiu fazer com que todos os que se encontravam no Largo de São Pedro fossem transportados para as mais diversas paisagens e ambientes, reinando sempre uma serenidade incrível, algo que só alguns conseguem transmitir e Marco Luz conseguiu-o. Tudo feito com a ajuda de uma guitarra acústica, uma elétrica e uma série de efeitos.
No Palco Tarde ao Sol, os primeiros, e únicos, a apresentarem-se foram os LST – Lisboa String Trio, onde constam dois pesos pesados da música nacional: José Peixoto e Carlos Barretto. Como é hábito neste palco, o bater dos sinos da igreja dá o sinal de partida para mais uma atuação, assim foi também com os LST, um trio de cordas composto por uma guitarra portuguesa, um contrabaixo e uma guitarra clássica. O som que sai das colunas é o resultado da junção dos três instrumentos, sendo o objetivo principal o de fazer lembrar a cidade que dá nome ao projeto.
Regresso ao Palco Giacometti, onde Valter Lobo arranca o seu momento com a ajuda de uma gravação vinda do telemóvel. Antes de virem as músicas, trata logo de fazer a introdução e de apresentar os dois músicos com quem partilha o palco. A voz de Valter Lobo é segura e as suas canções são dominadas pela melancolia, algumas até chegam a fazer lembrar as marchas fúnebres, algo que não é sempre negativo, conseguindo soltar algumas lágrimas em algumas das senhoras. O amor é o tema dominante em quase todas as suas músicas.
Frankie Chavez, que segundo o próprio dormiu no carro de véspera junto à aldeia de Cem Soldos, apresentou um som forte e consistente, lembrando por vezes os The Strokes, reinando sempre uma tremenda competência dos quatro músicos em cima do Palco Lopes-Graça. O momento mais emotivo foi quando Frankie Chavez pegou numa guitarra portuguesa para interpretar um tema dedicado aos pescadores da Nazaré.
Neste festival há espaço para tudo e para todos, assim foram muitos os que durante algum tempo preferiram concentrar-se no jogo do Benfica em Chaves, que acabou por ter emoção até ao fim. Toda esta situação, de tanta gente numa sala a olhar para uma televisão onde passa um jogo de futebol, faz lembrar um outro pormenor de muitas aldeias, nomeadamente aquelas onde existe um único aparelho televisivo com os canais que transmitem os jogos do campeonato português e que nesses momentos é a principal atração da localidade.
Os The Poppers levaram muita gente para o Palco Eira, onde apresentaram o seu som típico, com fortes influências de rockabilly e rock’n’roll, provocando alguma agitação na plateia, e alternando temas mais balançados com um ou outro mais calmo.
Rodrigo Leão deu um concerto lindíssimo no Palco Lopes-Graça, talvez o mais empolgante do último dia. Com Rodrigo Leão estão instrumentistas que não foram escolhidos ao acaso e que em conjunto formam um todo magnífico. Em alguns temas, a música é acompanhado de vídeos, o que faz todo o sentido já que as suas canções têm lugar em qualquer banda-sonora que se preze. Ana Vieira é quem dá voz a muitos dos temas interpretados, apresentando-se com um vestido vermelho que realçou ainda mais toda a beleza que compõe a sua voz. A interpretação de “A Vaca do Fogo”, dos míticos Madredeus, banda da qual Rodrigo Leão fez parte, foi o momento mais emotivo e mais bem recebido. No final, os dois encores exigidos pelo público demonstraram bem o quanto foi boa a prestação de Rodrigo Leão.
Quando termina o Festival Bons Sons, fica a ideia de que o mais importante de tudo é a forma extraordinária com que as pessoas são recebidas pelas gentes da aldeia de Cem Soldos, através da sua simpatia, generosidade e, já agora, da qualidade dos produtos da terra, vendidos a preços bem simpáticos no contexto de um festival. A imagem que mais nos acompanhará na memória é a das senhoras da aldeia à janela a olhar para os muitos concertos que por lá se realizaram, grande parte deles com uma sonoridade algo pesada para aquilo que são as suas rotinas.
Para o ano há mais. Venham muitos mais!
Todos as reportagens Bons Sons’17 estão disponíveis em:
+ Crowd surfing, mosh e brindes com tinto no primeiro dia do Festival Bons Sons 2017
+ Bons Sons 2017, ao terceiro dia, Cem Soldos embarca na viagem de José Cid
+ Último dia de Bons Sons 2017, final de luxo com Rodrigo Leão
Texto – João Catarino
Fotografia – Carlos Manuel Martins | Bons Sons 2017
Evento – Bons Sons 2017
Promotor – SCOCS