O mundo está-se a tornar um lugar complicado para se viver. Guerras de séculos e infinitas, países que parecem retroceder no tempo e largar supostas democracias para regimes ditatoriais, atentados terroristas contra inocentes a contas da cabeça de solitários insanos que defendem que as suas ações beneficiam uma qualquer sua religião, e sujeitos que pouco se importam com o ganha pão de outros deitando por fora todo o trabalho de uma vida largando fogo pelas nossas florestas.
Não fosse este último e “mais uns tustos”, quase que se poderia dizer que um dos poucos lugares seguros nesta Terra parecia ainda ser Portugal. Que não nos iludamos.
No mesmo dia, acontece mais um dos indesejados atentados contra a liberdade de todos nós e a paz no mundo inteiro, não muito longe de nós, em Barcelona, e continuam, aqui mesmo neste pequeno retângulo à beira mar plantado, os infinitos diretos de jornalistas que procuram a mais das sensacionais notícias sobre novos incêndios por este país fora. Está tudo louco. Está, quase tudo louco.
Há ainda alguns restantes, mais saudáveis, que procuram na sua vida momentos de libertação, prazer, e extrema alegria da forma mais inocente possível. A música continua a ser um dos mais belos meios desta transmissão. E é com a música que optamos mantermos sãos num mundo cada vez mais perturbado. A passada 5ªfeira 17 de Agosto foi o dia onde isso foi possível neste cantinho, e não me refiro apenas a terras mais próximas do rio coura. Mais ao centro, em Lisboa, foi dia de recebermos de braços abertos Ben Harper, como que a aclamar esquecermos de tudo o que de mal nos rodeia.
No seu regresso a Portugal, e pela primeira vez por cá a solo em formato acústico, um Coliseu dos Recreios inesperadamente cheio (mês agosto, plena época de festivais, férias, …) recebeu o norte-americano provavelmente como este nem esperaria apesar da nossa fama hospitaleira.
Antes de falarmos sobre este concerto tão especial de Ben Harper, devemos referir a presença dos Club del Rio, uma banda folk madrilena. Surpresos, nós e também o público, mas muito receptivos a esta entrada.
Passavam vinte minutos das 22h00 quando entra em palco Ben Harper. Ao contrário do que tem acontecido na sua tournée americana, em Lisboa, e nas restantes datas europeias também, Ben deixou em casa os seus amigos The Innocent Criminals com quem fez as pazes há cerca de dois anos, e com quem também tinha cortado relações durante dez anos. Ben Harper é para além de um prodigioso guitarrista, um homem da palavra, onde nos transmite principalmente o amor que tem pela vida e pelas pessoas que o rodeiam ou rodearam, mas também a sua revolta perante as injustiças sociais onde aqueles que cometem crimes devem ser punidos severamente. Tudo isto aconteceu num concerto com mais de duas horas, na primeira parte com dezasseis temas onde não faltaram “Lifeline”, “Diammonds on the inside”, “Welcome to the cruel world”, “Born to love you” – aqui aproveita para dizer ao público presente o quanto honrado estava em estar em Lisboa naquela noite , “With my own two hands” ou, para fechar antes do encore e mais perto do público num dos cantos do palco, “Amen Omen”.
Perante a insistência do público que nunca largou o artista, e repetidas vezes soltava um “xiiuuu” bem sonoro a quem se distraia do concerto com conversas fúteis que para ali não eram chamadas, Ben Harper regressa ao palco dizendo “Thank you for your heart”. É sobretudo isto que o público português tem de melhor, quando ama, fá-lo apaixonadamente, e isso evidenciou-se ontem. Chamar encore a mais oito temas parece brincadeira, mas foi o que aconteceu. Entre confidências “I was suposed to be off by now, but i’ll keep going because it was a hard day” – e nós adivinhamos porquê – lá nos premiou com “Trust you to dig my grave”, um tema do novo disco que será lançado em 2018 e que promete ter mais Blues que os anteriores, “Another lonely day”, “Glory & Consequence”, “Trying not to fall in love with you” ao piano, e muito especial, a sua versão de “Sexual Healing” que faria com certeza Marvin Gaye sorrir. A noite terminou o público a aclamar Ben Harper, este como que comovido e quase sem jeito por tanta entrega do público lisboeta fecha a noite dizendo “Thank you for giving me the best night of my life”.
Por muitas noites felizes que acreditamos Ben Harper ter já passado, esta pode a bem verdade não ter sido a melhor noite da sua vida, mas foi seguramente a noite onde todos, sem nos esquecermos do dia terrível que nuestros hermanos catalães teriam tido, nos fizemos acreditar que é possível um mundo melhor, menos louco, sustentado pelo amor da palavra e da música de Ben Harper.
Texto – Carla Santos
Fotografia – Luis Sousa
Promotor – Everything Is New