Recentemente, numa conversa entre amigos por um festival, falava-se do quão rico serão os próximos meses em Portugal no que a concertos diz respeito. Um rapaz vira-se para os amigos e pergunta-lhes se sabiam o porquê de The National já terem lotação esgotada para o seu concerto pelo Coliseu dos Recreios quando, naquela altura, faltavam qualquer coisa como três meses para tal.
Realmente, é um fenómeno peculiar, o de uma banda que já atuou no nosso país em treze (!) ocasiões diferentes e mesmo assim continua a ter uma legião de fãs em constante crescimento. A 28 de outubro, os The National sobem ao palco do Coliseu dos Recreios para apresentar o novíssimo Sleep Well Beast, o oitavo longo-duração da banda.
O lançamento do mais recente disco da banda de Ohio coincide com o décimo aniversário de Boxer, quarto álbum de originais e que levou a que o quinteto passasse a estar nas bocas do mundo como uma das bandas mais sólidas e competentes deste milénio. Desde aí que lançaram mais dois discos, o sublime High Violet e o maravilhoso Trouble Will Find Me, o que só veio cimentar a qualidade dos The National.
Com um seguimento de três excelentes álbuns, a expectativa para Sleep Well Beast, desde o instante em que foi anunciado, era enorme e, tal como seria expectável, a banda volta novamente a não desiludir e a assinar um disco que, para além de boa banda sonora, serve quase como uma terapia emocional para o ouvinte.
Desde que Boxer viu a luz do dia que os The National têm estado a revestir-se no seu próprio casulo, repleta de pureza e constrangimento. Nesta sua ‘casa’, o grupo de “Sorrow” sempre adotou um perfil de anfitrião cuidadoso, terapêutico até, onde recebe qualquer hóspede com o intuito de o direcionar para uma vida melhor. Aqui, o ouvinte expunha as suas mágoas e desaires com a certeza que não só estava lá alguém para o ouvir como compreendia tudo aquilo que ele estava passar, com músicas que conseguiam representar na totalidade o estado de espírito de cada um; de forma quase irónica, a capa de Sleep Well Beast é exatamente a de uma casa.
Para 2017, um ano em que o conceito de ‘rock’ torna-se cada vez mais ambíguo, os The National começam a perfurar lentamente o refúgio onde qualquer fã o associava a casa. Em Sleep Well Beast, o carinho nutrido pelos seus hóspedes faz com que a banda tenha o desejo intrínseco de mostrar o mundo ‘lá fora’, que é possível encontrar beleza na violência e na agitação. Como tal, estamos perante o álbum mais ‘brincalhão’ e experimental que os The National assinaram faz tempo, onde o grande destaque do disco vai para os temas mais frenéticos, com o grande destaque a ir para o seu primeiro single “The System Only Dreams In Total Darkness”, o maior exemplo no álbum de como os The National se dão tão bem a deambular naquela sua veia característica do post-punk.
Ao single promocional, juntam-se também “The Day I Die” e “Turtleneck”, com esta última quase a soar a gritos de revolta. Os The National sempre foram consideradas uma banda ativa no que à política diz respeito – foram feverosos apoiantes de Barack Obama, com a banda a tocar em comícios do então presidente americano e até a terem “Fake Empire” a ser utilizada em vídeos de campanha. Em quase vinte anos de carreira, os The National nunca foram daquelas bandas que usava e abusava de mensagens políticas subliminares nas suas músicas, com a exceção da ligação de “Mr. November” a John Kerry, isto no ano de 2014.
Com a recente eleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos da América, os The National poderiam optar pela via fácil de construir um álbum onde bombardeiam o presidente com críticas. Todavia, a capacidade de banda em pensar ‘outside the box’ leva-os a associar como uma consequência do rumo que o país tem tomado nas últimas décadas, representada por mensagens subliminares em “Walk It Back”. Num mundo onde o céu da América está coberto por um chumbo cinzento aquando da eleição do presidente, é quase paradoxal que os The National incentivem os hóspedes do seu casulo de pureza a enfrentar o negrume do mundo atual…
Para aqueles que preferem tomar residência na casa de Sleep Well Beast, um pouco de introspeção fá-los encontrar o esplendor da beleza melancólica que os The National inserem nas baladas, contudo, em vez de temas como “About Today”, “Vanderlyle Crybaby Geeks” ou “Pink Rabbits”, que tinham a capacidade de nos deixar de lágrima no canto do olho, a história neste disco é diferente. Tanto “Nobody Else Will Be There” ou “Carin At The Liquor Store” soltam pelo ar um desejo de intervenção, o suscitar de tornar o mundo um lugar melhor através das nossas próprias mãos. Por mais bonitas que sejam e que nos façam pensar em mil e um rumos possíveis que a nossa vida poderá tomar, não cria o sentimento de dependência de vivermos num cenário figurativamente perfeito, mas sim tomarmos medidas pelas nossas próprias mãos para o tornarmos real. Novamente, os The National incentivam a que os seus hóspedes conheçam o mundo que existe para fora do casulo.
Para o seu oitavo disco de originais, os The National rompem a sua linha de criar álbuns terapêuticos que visam dar conforto a todos aqueles que procuram um refúgio para os seus maus momentos. De forma a sobreviver ao tumulto dos dias de hoje, a banda de Ohio procura incentivar a que a sua vasta legião de fãs, inteligente, culta e saudável, enfrente as adversidades deste novo mundo. Apresentando um álbum mais robusto, com o seu quê de interventivo, mas que em nada perde a essência da banda. Optando por se desviar dos ares mais melancólicos, da beleza que existe na tristeza, os The National criaram um álbum que era necessário para os dias de hoje.
Hoje, depois de ouvir Sleep Well Beast, voltaria atrás no tempo para aquela mesma conversa entre amigos num festival. Solto de timidez, apenas entregava uma cópia do disco ao mesmo rapaz surpreendido pelo facto de o concerto de The National já estar esgotado, apenas dizendo “aqui tens a tua resposta”. E é assim que, com tão pouco, se diz tanto.
Os The National estarão no Coliseu dos Recreios em Lisboa no próximo dia 28 de Outubro, consulta a nossa agenda para mais informação sobre este concerto.
Texto – Nuno Fernandes