A Ribeira de Santarém amanheceu ao som dos 10 000 Russos. O sol já tinha nascido e ainda se sentia o burburinho daqueles que regressavam às tendas. A manhã estava agradável e algumas pessoas aproveitavam o areal perto da zona onde acampavam. Sem grandes confusões ou barulho, e sobretudo com muito menos vento o dia parecer sorrir-nos muito mais que no dia anterior.
A meio da tarde já novas caras se mostravam pelas imediações do recinto do Reverence na expectativa de mais uma maratona de concertos noite dentro.
+ fotos na galeria Reverence Santarém 2017 dia 9 Ambiente
A primeira banda que encontrámos foram os Nonn, uma das mais recentes adições da Fuzz Club, e que lançaram o seu primeiro disco em Maio deste ano. A linha em que se movem é sobejamente familiar de todos e durante cerca de 40 minutos de qualidade entregaram-se a um som vagamente negro mas confortavelmente familiar e conseguiram entusiasmar-nos sem dificuldade.
Logo de seguida, e quase sem qualquer pausa, no outro palco os Royal Bermuda, que são um duo de guitarras, com uma mística que teria funcionado igualmente bem se tivessem tocado no meio do público. Era um daqueles concertos óptimo para relaxar e nos levar à abstração.
+ fotos na galeria Reverence Santarém 2017 dia 9 Royal Bermuda
Voltámos ao palco principal para ver os suecos Janitors. Quando os Janitors entraram em palco já se fazia sentir algum vento, apesar de ainda faltarem algumas horas para o final do dia. Mas os Janitors trazem um som poderoso o suficiente para nos fazer esquecer que a noite estava a chegar e entregam-se sem medos e trouxeram-nos Trojan Goat ou Coming Down. Um som pujante, cheio de corpo e com um ritmo quase contagiante e impossível de contornar. Com uma performance pesada e negra mas ao mesmo tempo capaz de arrancar ritmo a quase todos.
+ fotos na galeria Reverence Santarém 2017 dia 9 The Janitors
Continuamos num jogo de ping pong estranho, mas numa dinâmica já mais mecânica e leve, pois hoje a sensação de perda que se tinha apoderado de grande parte dos que acompanham o Reverence desde o inicio havia-se dissipado um pouco. Provavelmente porque entre a noite de hoje e outras noites do Reverence existem mais semelhanças que na noite anterior, e esse poderá ser um dos motivos para esse ambiente mais leve, mas nem assim se registou uma adesão substancial, ou sequer superior à da noite anterior.
Os Underground Youth trouxeram a sua negritude romântica que assentou que nem uma luva neste cenário que mais parece o de um festival meio apocalíptico e embalaram, embrulhado nesse post-punk industrial carregado de influências de bandas obscuras dos anos 80, toda uma atmosfera levando a pedir um encore que teria sido bastante merecido.
+ fotos na galeria Reverence Santarém 2017 dia 9 Underground Youth
Agora de volta ao palco secundário íamos ter Asimov & The Hidden Circus. O vento que já se fazia sentir trouxe consigo alguma dificuldade, ainda para mais num palco que não é coberto e que comporta neste momento 5 músicos. Há 4 anos atrás foram uma das bandas que surpreendeu com uma performance crua e cheia de garra, quando ainda eram um duo de guitarra e bateria. Agora com a recente adição do baixista Rodrigo Vaz, e aqui no Reverence com a colaboração com Pedro Madeira na segunda guitarra e Joana Guerra no violoncelo, pudemos assistir a um crescimento e a um envolvimento de toda a dinâmica enquanto banda, dando uma nova roupagem muito mais rica e e surpreendente a todo o conjunto e construindo todo um concerto envolvente e rico em sons, distorções e melodias de um psicadelismo maduro e fascinante.
+ fotos na galeria Reverence Santarém 2017 dia 9 Asimov & The Hidden Circus
Outra das surpresas, mas que na verdade não o é, foi a prestação dos Siena Root. Num momento em que já começámos a sentir o desconforto da noite os Siena Root conseguiram prolongar um pouco mais o calor do dia e deram um excelente concerto cheio de garra e rock n roll, com a voz de Sanya, a estrear-se em palco e a banda a sentir uma alegria genuína que contagiou por completo o publico que no final aplaudiu efusivamente e pediu mais.
Já noite cerrada temos os Träd Gräs Och Stenar, que carregam consigo uma história já longa, remontam aos anos 60 e continuaram ao longo das décadas seguintes a construir. Decerto ao longo de todos estes anos tocaram em palco improvisados e com muito menos condições que este onde agora se encontravam, mas a verdade é que isso tudo também deve ter acontecido há muito tempo. E novamente voltámos a sofrer as dificuldades nos testes de som com a banda a demorar, mas a fazer valer a pena a espera, e fazendo-nos navegar na sua sonoridade quase onírica durante cerca de uma hora. Sem quaisquer deslizes ou enganos, estes músicos são uns verdadeiros senhores do progressivo, mestres na arte do improviso e que nos fizeram sentir a música de olhos fechados como tantas vezes nos anos anteriores, sem recurso a pirotecnia ou a imagens ou projecções, munidos apenas de músicas boas recheadas de boas sensações. Foi com o coração cheio que abandonámos o palco depois se ter pedido mais e mais.
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Continuando neste jogo, tivemos de seguida os Cows Caos no palco secundário com o seu garage surf contagioso e dançante, personificado na figura de Rute Ellis que percorre todo o palco com a sua performance e mantém o público desperto, atento e até mesmo divertido.
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Os Gang Of Four demoraram bastante tempo a acertar tudo e iniciar o concerto, que iniciam de forma um tanto ou quanto atabalhoada. Esta nova encarnação dos Gang Of Four, de cuja formação original apenas resta o guitarrista Andy Gill, tem os seus prós e os seus contras. A secção rítmica tem uma qualidade e uma entrega completa, e segura o resto. Segura um vocalista um pouco perdido e um guitarrista que não perdeu ainda toda a sua chama mas que já não consegue acompanhar de forma natural a bateria e o baixo. A energia do jovem vocalista contrasta com a impossibilidade de Andy o acompanhar, quer vocalmente, quer pelas peripécias em palco. Larga o microfone sistematicamente e por isso temos técnicos a entrar e a sair de palco a todo o instante. O público movimenta-se e abana-se porque a qualidade das composições continua lá, a transposição para o palco é que não traz de facto a qualidade que se esperaria, apesar de alguns elementos cénicos serem cativantes, as quebras de ritmo entre e durante músicas levam a melhor sobre a banda.
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Os portugueses Pás de Problème proporcionaram mais um interlúdio. Tal como anteriormente os Cows Caos haviam feito, porque na verdade tanto uma banda como a outra fogem quase completamente ao restante conjunto de bandas, numa dinâmica engraçada e animada para espevitar o público, que demonstrou curiosidade e se manteve boa parte do concerto interessado.
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Mas grande do público que se deslocou até Santarém veio para ver os Mono, uma banda japonesa com uma carreira já bem consolidada e que já visitou Portugal várias vezes. É verdade que demoraram perto de 40 minutos até obter as condições desejadas para entrar em palco mas que ofereceram provavelmente o concerto com melhor som do festival, com uma intensidade que quase era palpável, mantiveram o público no limite dos sentidos a interiorizar toda a riqueza das suas composições durante cerca de 80 minutos, que para muitos não foram suficientes.
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Depois da pedrada emocional que foi o concerto dos Mono, os Is Bliss pouco mais conseguiram que dissipar a emoção do público, que se mantinha em níveis bastante elevados a lutar contra a temperatura e o vento que se faziam sentir. Não é toda a gente que se mantém 12 horas de concerto, e para que isso aconteça há que manter um certo ritmo.
Os suecos Hills demoraram bastante tempo a conseguir produzir o som que pretendiam e o concerto começou sem que o tenham alcançado. Começaram de forma meio tímida, a dialogar entre si, como se tentassem decidir o que fazer de seguida, de tal forma que nem se percebeu bem o momento real entre o fim dos testes de som e o inicio do concerto. Passaram por algumas das musicas do primeiro disco como Rise Again ou Master Sleeps, músicas com um grau de profundidade que não se conseguiu sentir pois o som das várias guitarras parecia cruzado, salvando-se a coerência do conjunto através da bateria e do baixo, apesar da bateria em certos momentos perder o fulgor necessário. Continuaram a dialogar entre si entre cada música, provocando perdas de ritmo e mesmo de interesse, imperdoáveis quando o relógio já marcava mais que as 03.00 da madrugada. Uma banda sui generis da qual se esperava um concerto no mínimo cheio e possante, mas que no fundo vieram apenas fazer mais um concerto. Podemos perceber que a qualidade está lá mas a banda apesar de muito divertida em palco não conseguiu passar esse à vontade, ou bem estar que parecia estar a sentir para o público.
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As forças faltaram-nos para ver as quatro bandas que às 04h.00 ainda não haviam actuado; Löbo, Esben and The Witch, Luis Simões e Dr. Space e, a fechar o festival, os Throw Down Bones.
No fim de tudo, continuamos a não perceber realmente o que se passou com o Reverence, mas poderá ser apenas um conjunto de situações desfavoráveis. O anúncio tardio, no final de Maio, a adição de bandas que o publico dos anos anteriores não identifica com a linha do Reverence, a alteração de localização…
Mas tudo isso teria sido ultrapassado se as bandas pudessem ter proporcionado espetáculos com condições ao invés de proporcionar momentos de quase desespero em testes de som absurdos e mal coordenados, que originaram quebras de ritmo impossíveis de recuperar quando ainda restavam quase dez bandas para ver.
Um dos grandes revés que tiveram foi sem duvida a condição meteorológica daquele fim de semana, e isso são pormenores que devem de ser tidos em conta, mas que deveriam de ter sido acautelados.
Aguardamos dias melhores e sobretudo que deste acontecimento sejam retiradas quer a aprendizagem quer a capacidade de assumir que o Reverence é, ou foi um conceito querido e sentido no âmago como uma pedrada no charco dos festivais quando surgiu em 2014. Queremos esse sentimento de plenitude e alma cheia de volta, queremos o Reverence.
Esperamos por noticias, por boas noticias, por uma reviravolta, por um regresso às origens. Esperamos pelo Reverence, o tempo que for preciso. Sim, o tempo que for preciso, porque talvez um ano não baste. Até breve Reverence.
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DIA 9
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Texto – Isabel Maria
Fotografia – Luis Sousa
Evento – Reverence Santarém 2017