Sonos curtos e leves. Refeições rápidas e indisciplinadas. O tempo estica, e se não esticar ela faz por esticá-lo. Nas vinte e quatro horas que contam um dia, aproveita na verdade cerca de 20. Três horas e meia para descansar a voz e meia hora para as refeições. Tem olhos expressivos e a transbordar de vida. Um sorriso constante que contagia tudo e todos que estão à sua volta. Não é cantora, nem ambiciona ser. A voz é um instrumento, como um sampler que canta vocábulos emotivos em surmez. Débora Umbelino é Surma, o novo projecto leiriense que floreou no novíssimo álbum “Antwerpen” (com edição limitada em vinyl), e que está a fazer as delícias de todos nós. É já garantida a sua presença numa das maiores (se não a maior) mostra de música a nível mundial, o Sound By Southwest Music Festival em Austin no Texas (12 a 18 Março 2018).
Até lá Surma tem uma agenda recheada de concertos por todo o país, e Lisboa irá recebê-la já no próximo dia 28 nas sessões do Jameson Urban Routes no Musicbox. Foi precisamente no Cais do Sodré que estivemos à conversa com a pérola do noise/experimental português.
Música em DX (MdX) – Como foram esses dois anos de imersão no casulo SURMA?
SURMA – Eu costumo chamar o ano “0”. Estes 2 anos foram de laboratório, o álbum foi o caminho que eu quero para Surma. Quero explorar ao máximo as sonoridades que já conhecia, mas que foram mudando de concerto para concerto.
MdX – A composição foi solitária?
SURMA – Não foi nada solitária! Trabalhei com o Telmo, o Rui e o Pedro, juntamente com o Miguel Ferraz que é o “secretário” da Casota. Foi um processo colectivo, e é um trabalho colectivo 200%! O CD é de todos nós!
MdX – “Hemma” é o nome da tua avó. O teu pai teve uma grande influência na tua opção escolha. Até que ponto é que as tuas relações familiares entram nas tuas composições?
SURMA – Acho que essa influência foi em toda a minha vida, porque tenho a recordação de ficar 2 horas por dia na cave da casa dos meus pais a ouvir música (risos)! A partir daí, foi sempre a ouvir música nova. A minha avó canta num rancho folclórico e na igreja, eu cantava no coro da igreja. Os meus pais foram os primeiros a chegarem-se à frente (risos). O meu pai adora fazer de meu roadie, e às vezes vem a Lisboa de propósito para ajudar a descarregar o carro (risos).
MdX – “Antwerpen” é quase uma homenagem à Escandinávia. Qual a tua ligação com estes países?
SURMA – É uma ligação exterior, vi umas fotos lindas e quando fui pesquisar o sitio eram países escandinavos. Mas não nunca tive ligação afectiva com esses países, apesar de me ter identificado muito com eles. A primeira vez que conheci foi este ano em Abril. Fiz um “pé de meia” e fui duas semanas conhecê-los.
MdX – E por falar em estrangeiro, iniciaste a tour de “Antwerpen” em Espanha, Sevilha e Vigo. Como correu?
SURMA – Sim, fomos todos “ao molho” (com os elementos da Casota) a Sevilha e foi incrível! O público adorou e até sabiam os rifes da guitarra, foi mesmo incrível! Os espanhóis são muito mais do Rock e do Punk, por isso ainda foi mais estranho terem gostado tanto do concerto. Fizeram silêncio e sempre com muito respeito, foi incrível. Mesmo não percebendo a letra (o surmez) emocionaram-se!
MdX – A guitarra e o baixo, principalmente este último, têm uma ligação muito visceral contigo, isso vê-se nas actuações. O que aconteceu às cordas neste CD?
SURMA – (Risos) O disco foi muito produzido em casa. Em estúdio há 5 músicas com guitarra e baixo. Não quero largar de todo ao vivo. Já pus numa música a guitarra, mas contamos colocá-los em mais 6 músicas. É o “old school”! Não quero deixar o analógico, isso não.
MdX – Editaste pela Omnichord Records. A propósito da reportagem do Público (Ípsilon) e da “Fábrica da Música” em Leiria, uma palavra que defina a família Omnichord?
SURMA – União, acima de tudo. É uma família muito unida, ninguém está à frente de ninguém. Não há competição entre os músicos. A Surma e a Casota (First Breath After Coma) foram os primeiros a gravar um CD. A Omnichord está a crescer no tempo certo. E tem que ser assim, somos todos irmãos uns dos outros, eles são os meus irmãos mais velhos (risos).
MdX – Tens formação em produção de audiovisuais. Qual o teu envolvimento no videoclip de “Hemma”?
SURMA – Tive uma ideia, que seria minimal. Eu não conhecia o Guilherme e a Catarina (bailarinos), viu-os na net e contactei-os. Foi um tiro no escuro (risos). A Casota deu um contributo muito grande. Foi um trabalho partilhado, envolvi-me bastante.
MdX – Vês-te muito mais tempo neste registo musical?
SURMA – Quero seguir o mesmo caminho dos loops. Este álbum tem violino e violoncelo, tem sempre cordas. É um desafio muito grande, é complicado. Quero seguir o experimentalismo, isso sim. Evitar o vórtice, ou seja, editar 3 álbuns muito idênticos. Para mim a voz é um instrumento vocal, é um sampler. Eu não sou cantora (risos), nem ambiciono ser. O que me interessa é a emoção que transmito nos sons vocais. Mas sim, tenho consciência que este tipo de música mais experimental pode correr o risco de cansar. Já estou a pensar no próximo e a tentar novas sonoridades (risos).
Texto – Carla Sancho
Fotografia – Luis Sousa