Nem todos são aqueles que se podem gabar de ter um dom, de terem nascido versáteis numa determinada prática que os destaca dos demais. Para os que foram abençoados com tal dádiva, muitos são aqueles que optam por partilhar as suas proezas com os restantes, quer seja com o intuito de os instruir, partilhar a arte ou simplesmente fazer das suas vidas algo de melhor. É na junção destes três fatores que encontramos Jack Broadbent.
O dom de Jack Broadbent é irrefutável. Como um sábio de determinada arte deve fazê-lo, utiliza os seus dotes para o partilhar com os demais. Todavia, engane-se quem pense que o inglês faz música a pensar nas grandes massas, que tem como objetivo criar temas sonantes que facilmente decoram as rádios de hoje em dia; a sonoridade de Jack Broadbent é nua e crua, é a conversão de dezenas de sensações e expressões em acordes, notas soltas ou escalas. Em suma, trata-se de música destinada a todos aqueles que apreciam ver a proeza que é dar palavras ao objeto inanimado que uma guitarra se julga ser.
A faceta mais pessoal e sincera – é impossível não reparar que estas canções são cozinhadas com ‘alma’ e coração’ como principais ingredientes – das maravilhosas criações de Jack Broadbent encantam qualquer um, não sendo difícil de perceber o porquê, mas é com a sua amabilidade e descontração que nos conquista por completo, e, julgando pelo ar de contentamento com que o público saiu do Grande Auditório do Centro Cultural de Belém na passada noite de sexta-feira, tudo nos levou a crer que muitos mais foram aqueles que se tornaram fãs incontornável do inglês.
Remetendo-nos para a noite de 27 de outubro, mais concretamente para o concerto de Jack Broadbent, a adesão pelas cadeiras do Grande Auditório era francamente escassa, sendo quase simpático de se dizer que a sala estava a meio. Quis o destino, e tal como a gíria comum o prega, que fossem “poucos mas bons”; a um público que se centrava, na sua forte maioria, nas primeiras filas da sala, estabeleceu-se rapidamente uma relação mais intimista entre o artista e os presentes, transformando subitamente o Centro Cultural de Belém num pub com música ao vivo. Pelo menos, Jack esteve sempre acompanhado de umas quantas cervejas Corona…
Tal como em certos pubs, o cantautor da noite tem direito ao ‘cantinho’ da sala só para si, sendo seu objetivo conseguir, para além de entreter, roubar atenção de todos os presentes. Novamente, Jack Broadbent conseguiu esta proeza: em palco, fez-se acompanhar somente de duas guitarras, sendo ele o único ser – pelo menos vivo – ali inserido, não tendo que se esforçar muito para centrar todas as atenções do Grande Auditório em si.
Entrando em maior detalhe sobre o que é o ‘dom’ de Jack Broadbent, o concerto começou com uma prova simples e direta; o inglês especializa-se na técnica de slide guitar, que tal como o próprio nome indica, consiste em empunhar um pequeno tuco oco cilíndrico de metal nos dedos e soltar o maior número de notas possíveis, todas besuntadas de uma distorção capaz de fazer frente aos nomes grandes do fuzz. Para tal, Jack trata a sua guitarra com o maior carinho possível, pousando-a nas pernas como se um teclado se tratasse. Nem a primeira música tinha terminado e muitos já eram aqueles que levavam as mãos à boca de tão impressionados que estavam, assim como completamente rendidos.
A afluência da noite não era das mais altas, é certo, mas isso fez com que Jack Broadbent se sentisse bem mais solto e confiante, como se estivesse na presença de um grupo de amigos onde podemos ser a pessoa que realmente somos e não nos rendermos à pressão de ser aquilo que os outros esperam de nós. Deste modo, Jack esteve interativo com o público durante todo o concerto, nunca deixando um fã sem resposta perante todas as intervenções do público, desde pedidos para que “soltasse os blues”, optasse por uma Super Bock ou se queria comprar droga.
A cumplicidade entre o cantautor e o público revelava-se tanta que este acabou mesmo por apresentar alguns temas do seu futuro disco de originais, como “If”, “This Town”, “Easy Street” ou “Easy Street”. A faceta do novo trabalho de Jack Broadbent mostra um homem bem mais sentimentalista e contido que a alma brava que cospe quinze notas por segundo quando acompanhado por uma guitarra no colo. Aliás, Jack soube bem como intercalar esses momentos mais ‘wild’ com os emocionais, demonstrando bem a versatilidade deste artista.
Uma, duas, três garrafas de Corona vazias e a conversa fluía com a maior das naturalidades. Aliada à música de Jack, cada vez mais se tornava nítido que se estava perante uma conversa entre amigos, com o convívio a ser intercalado entre momentos de convívio (nunca) forçados e temas como “The Wind Cries Mary”, “She Said” ou “On The Road Again”. A persona de entertainer em Jack Broadbent acabou mesmo por sobressair como a grande surpresa da noite, sendo uma faceta que muitos não contavam encontrar pelo Centro Cultural de Belém mas que certamente deixou muitos de sorriso nos lábios, como quando o artista estragou a surpresa que iria fazer um encore ou ‘seduzia’ o público para que comprassem os seus discos, tudo com o objetivo de reunir uns trocos para gastar com o público por um bar lisboeta qualquer.
Foi ao som de “Hit The Road Jack”, mítico tema de Ray Charles, numa versão bem mais arrojada e crua, que Jack Broadbent deu todo o ar de sua graça e que selou um concerto competente e surpreendente, onde mesmo com uma afluência a não fazer jus à sua qualidade, em nada tirou o potencial da noite. E ainda bem que tal não aconteceu.
Texto – Nuno Fernandes
Fotografia – Ana Pereira
Promotor – Incubadora das Artes