Concertos Reportagens

Vítor Rua & The Metaphysical Angels – Do Androids dream of Electric Guitars? ao vivo no Sabotage

Noite de Halloween em Lisboa e está este vosso escriba a perguntar-se como é que nos últimos anos esta tradição ganhou uma força tremenda em Portugal. Com o avistamento no Cais do Sodré de vários indivíduos sinistros, com máscaras de produtos cinematográficos norte-americanos, desde o vilão do “Gritos” ao mais consensual Jason Voorhees, é com grande alivio que verifico que esta gente deixou as facas em casa.

Entramos num outro mundo ao transpormos as portas do Sabotage. É um ambiente calmo e acolhedor de um clube de rock, o de hoje, nesta terça-feira, véspera de feriado quase transformado num clube de Jazz.

Umas poucas mesas à frente do palco e avistamos um enorme contrabaixo lá mais ao fundo. Uma estranha sensação de conforto invade-nos enquanto as pessoas calmamente entram e tomam os seus lugares quer encostados ao bar, sentados nas mesas ou encostados à parede para desfrutarem do recital, chamemos-lhe assim, que se iria desenrolar a seguir.

Hoje é noite de Vítor Rua & The Methaphysical Angels, de Vítor Rua e do colectivo de excelência que o acompanha no disco, e são eles: Hernâni Faustino (baixo), Luís San Payo (bateria), Manuel Guimarães (piano), Nuno Reis (trompete) e Paulo Galão (clarinete).

O concerto começa com Vítor Rua a agradecer a presença do público e a apresentar a banda e, bem disposto a indicar que o concerto terá exactamente a duração de 57 minutos e uns poucos segundos. Vítor Rua veste um Kilt e traz uns óculos que lhe permitem talvez, vislumbrar alguns apontamentos em palco, pois são munidos de uma luz azul florescente. O set, inicia-se de forma calma com a guitarra de Vítor a entrelaçar-se com os sopros, a envolver-se com o contrabaixo, as teclas e nos dois primeiros temas é dada a tónica para o concerto. Vítor Rua por vezes larga a guitarra e tal qual como um maestro de braços no ar, dá indicações do que quer ouvir a espaços, algo que os músicos rapidamente apreendem na maior parte das vezes – pormenores que Vítor Rua quer ver salientados e, geralmente no final dos temas. O alinhamento vai sendo apresentado por ele de uma forma descontraída. Os mais atentos já teriam percebido que o set-list segue meticulosamente o alinhamento do disco Do Angels Dream Of Electric Guitars?. Intercalando com algum humor e contando alguma história bem disposta, Vítor Rua apresenta canções como aquela em que, em 1982 ou 1983? terá visto o John Zorn e o Derek Bailey e mais uns não sei quantos monstros sagrados todos juntos a actuar na mesma noite e de seguida vem para Portugal e demite os GNR.  Neste terceiro tema “Roulotte” vemos a boa forma de Luís San Payo, peça essencial neste colectivo, um baterista de excelência que encontramos nesta música a “partir tudo“ junto com a guitarra de Vítor Rua e o resto da banda a acompanhar. No quarto tema “Flamenco is Dead”, a começar com a guitarra distorcida de Rua, sobressaem as manipulações sonoras com a banda a comportar-se como se fosse uma orquestra noise e a responder aos rasgos de Vítor Rua com a mesma intensidade, – e esta foi a primeira composição da noite a tornar-se um desafio para os ouvidos mais sensíveis, algo que sem a mestria de todos os músicos e o excelente som que se fazia sentir no P. A. poderia ser complicado e ao invés disso, elevou de sobremaneira a expectativa para o que estava para vir. 

Em “Subliminal Signes Of Humor”, ouvimos deliberadamente mais os sopros prolongados de Nuno Reis e de Paulo Galão em junção com a guitarra e o contrabaixo sempre atento de Hernâni Faustino. Ao longo do concerto foi notória a presença sempre atenta de Manuel Guimarães, cujas teclas entravam sempre no tempo ou no contratempo certo, de frente para Vítor Rua e sim, era ele sempre o primeiro a receber as suas indicações ou a dar um “Mi” para que o maestro pudesse re-afinar as seis cordas. 

“Deleuze Versus Tarzan” foi outra das pérolas da noite, com o contrabaixo e as teclas em jeito quase solo, a meio do tema, e o jogo de resposta que davam ao motivo de guitarra. O tema terminaria elegantemente com uma nota no contrabaixo dada em modo “cello”.

Por esta altura já o concerto ia a meio e continuava a chegar mais gente. Alguns em virtude do seu próprio atraso, viriam no fim a sugerir que o colectivo repetisse alguns dos temas do inicio… mas já lá vamos. Vítor Rua apresentava o tema  “Prepared Onion With Olive Glue” e transmite à assistência o segredo para na cozinha cortar uma cebola sem chorar, não será aqui revelado e fica no segredo dos deuses e dos presentes. 

Ao aproximar-se o final deste recital de composições sobre improvisações meta-idiomáticas, ou o que o autor lhes quiser designar, apercebemos-nos que Vítor Rua, para além de um estudioso das mais díspares formas de expressão musical é, para além disso uma figura do artista de rock carismático, no sentido do perigo que está inerente a um performer rock, mesmo que esteja a tocar jazz ou música minimal. Ele preenche o palco de forma simples e mesmo num colectivo onde tanto talento abunda, nunca deixa de ser o mestre de cerimónias, não que se esforce por isso, as suas técnicas como guitarrista nunca pretendem ser vistosas ou exuberantes a nível de complexidade, mas a sua execução é impar e parte do apelo, é que ao olhar a sua figura em palco estamos a pensar que a qualquer momento até se podia enganar, um pouco como um Jim Morrisson que se esqueceria das palavras a meio de um concerto dos Doors, mas Vítor Rua faz com que tudo pareça fácil, mesmo que seja o próprio a dizer que uma ou outra composição é difícil de interpretar. O carisma natural com que comunica com o público e o “à vontade” que tem em palco é um bónus acrescido que cativa os presentes e a própria banda que o acompanha. Uma lição que muitos performers poderiam e deviam tirar, caso assistam a um destes concertos.

Vítor Rua é um excelente guitarrista, maestro de cerimónias e comunicador. O que faz na guitarra vale muito pelo facto de irmos assistir a um concerto assim e sairmos com belas melodias na cabeça. Exemplo disso é o tema que encerra o alinhamento oficial do concerto: “Do Androids Dream Of Electric Guitars?”, ficou cumprida a tarefa de magistralmente tocarem em palco o alinhamento do CD com o mesmo nome, e ninguém está desiludido. O tempo voou e na minha cabeça surge a questão: esta música nasceu e foi feita para ser interpretada ao vivo. Seria absolutamente criminoso que este colectivo não visitasse bastantes palcos portugueses nos próximos meses. Podem fazer igualzinho a este concerto, ninguém se queixa.

Já no final e o público pede mais. Vítor Rua recebe uma chamada em palco e pede ao pianista Manuel Guimarães para “sacar” o ringtone, e assim foi: todos na banda numa louca improvisação sobre o mesmo, e de seguida diz: “que sorte incrível, lembrei-me que podemos tocar mais uma, este tema não é meu, é da Siri!” – Novamente e tal como mais atrás, não vamos aqui revelar tudo, e dizer como Vítor Rua sacou um tema a partir da voz da Siri, e de como os Methaphysical Angels estrondosamente improvisaram e terminaram a noite. Há coisas que ficam para a memória de quem lá esteve.

  • 20171031 - Vítor Rua & The Metaphysical Angels @ Sabotage Club
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Texto – Pedro Corte Real
Fotografia – João Rebelo