2017 Festivais Reportagens Vodafone Mexefest

Vodafone Mexefest, Um guia necessariamente imperfeito

Deixemo-nos de rodeios: já se sabe que o Vodafone Mexefest é tão propenso em experiências audiófilas recompensadoras como em dar cabo dos nervos a quem não tem o dom da omnipresença, vulgo, toda a gente. Fazer escolhas neste festival espalhado pela baixa lisboeta é sempre agridoce e até uma equipa incrivelmente competente como a do Música em DX tem de optar por alguns concertos em prol de outros. Apresentamos, pois, algumas sugestões para esta edição de 2017.

Dia 24

Por ser uma sexta, este é, para muitos, dia de trabalho ainda e nada melhor que começar a desanuviar com uma rockalhada propiciada pelos Killimanjaro nos Bastidores do Capitólio que, com o mais recente EP Shroud, continuam a manter pulsante a cena rock mais musculada do país. Por outro lado, uma hora depois há IAMDDB no Cine Teatro do mesmo edifício, cuja sigla esquisita pode facilmente explicada: I Am Diana De Brito. Se o nome parece familiar, é porque esta rapper/cantora de Manchester tem ascendência portuguesa e angolana, mas o que vem apresentar é um cruzamento de R&B contemporâneo, Neo-Soul e Trap que apelidou de Urban Jazz.

Aqui começam a surgir as primeiras escolhas, digamos, lixadas. Caminhamos para uma catástrofe ambiental a todo o gás com um clima ainda próximo do verão na recta final de Novembro, mas pensemos pelo lado positivo: é o tipo de ambiente certo para o chillwave estival de Washed Out. Ernest Greene regressa à capital seis anos após visitar o terraço do Lux com Mister Mellow debaixo do braço para ser prontamente apresentado no Coliseu. O problema é que, escassos 20 minutos depois, sobe Oddisee ao palco do Cine Teatro do Capitólio. Uma das figuras superlativas do Hip-Hop mais soulful e consciente, o rapper de Washington, DC não precisará certamente de uma backing track como muito dos seus pares, dada a sua comprovada destreza e energia vocais ao vivo.

Sem pausas para jantar os Songhoy Blues vão dar uma lição de positividade na Casa do Alentejo face às vicissitudes da vida. O grupo maliano, fugido das suas povoações natais face à guerra civil que tomou o país, juntou-se em Bamako e aí desenvolveu a sua sonoridade Desert Blues. Resistence é o seu novo álbum, que não precisa de ser cantado em inglês para fazer passar a sua mensagem de esperança. Numa frequência semelhante vão estar Liniker e os Caramelows na Estação Vodafone, que têm na liderança não-binária de Liniker – nome inspirado neste grande senhor – uma figura de positividade inspiradora a guiar o seu soul de travo brasileiro.

Logo de seguida vem um dos momentos mais esperados do festival com a diva Jessi… pois, esqueçam, não vale a pena chorar sobre leite derramado. Num horário altamente competitivo onde pulula talento nacional como Manel Cruz, Valete e Ermo, o destaque terá de ir para Destroyer, no Coliseu. De nome truculento mas música bem mais fofinha, a banda de Dan Bejar regressa a Portugal com LP novo, de seu nome ken, a puxar para as ambiências mais nocturnas a brotar dos sintetizadores. Já se sabe que a banda canadiana não lança o mesmo álbum duas vezes, e é de prever que esta prestação vá ser bastante diferente da que tiveram no Primavera Sound no ano passado.

Por fim, mais uma escolha complicada. Já se sabe que Samuel Úria não dá maus concertos e por isso, quem se dirigir para a Sala Manoel de Oliveira do Cinema São Jorge vai ficar bem servido, ainda por cima porque as festividades vão ser apimentadas com as vozes de Ana Bacalhau e Gisela João. Exactamente à mesma hora, na Estação Vodafone nuestras hermanas Hinds prometem nova dose de indie rock sujinho e descomprometido, como se viessem da Califórnia e não de Madrid. A finalizar com chave de ouro, romaria ao Coliseu para ver os Orelha Negra mostrar porque é que cada lançamento de um álbum novo é um evento por si só.

Dia 25

Já numa onda mais relaxada/ressacada (depende da vossa noite de sexta), este segundo e último dia começa com o porno-rap surrealista dos Conjunto Corona, que mais uma vez vêm da Invicta mafiar pelos Bastidores do Capitólio adentro. Mantendo a toada, CJ Fly vem apresentar-se a Portugal no Cine Teatro, ele que é membro fundador do colectivo Pro Era – mediatizado pelo seu amigo Joey Bada$$ – e que neste momento até se encontra mais próximo do Trap do que do Boom Bap que o popularizou a si e aos seus pares. Num espectro diametralmente oposto e à mesma hora, O Gajo estará no Palácio Foz com a sua viola campaniça a ecoar notas de melancolia lisboeta.

O Mexefest não é alheio à presença de senhoras capazes de fazer chorar as pedras da calçada, e nesta edição há dose dupla de catarse. Primeiro com Aldous Harding, trovadora neozelandesa que, esperemos, trará as nuvens na sua estreia no país com o seu cruzamento de folk britânica, já tradicionalmente soturna, com sensibilidades góticas, com arranjos esparsos mais poderosos. Duas horas depois, num registo menos negro, mas igualmente emocionante, Julia Holter volta a trazer-nos as canções de Have You in my Wilderness, desta vez no Tivoli BBVA. Não haverá novidades (o material mais recente já foi apresentado no Porto o ano passado), mas todas as oportunidades são boas para ser encantado pela sua voz e pela riqueza de arranjos que a sustenta.

Dê-se o natural destaque aos cabeças de cartaz desta noite, ambos familiarizados com os palcos nacionais. Depois de terem sido uma das bandas de abertura do Primavera Sound deste ano (e de terem marcado presença no Paredes de Coura do ano passado), os Cigarettes after Sex têm agora a oportunidade de tocar no Coliseu, uma sala que, francamente, é muito mais adequada à sua Dream Pop lânguida e libidinosa que o Parque da Cidade do Porto. De resto, o conjunto encabeçado por Greg Gonzalez tem granjeado de enorme popularidade, ainda mais com o lançamento do seu primeiro álbum, auto-entitulado. Já os Everything Everything repetem a presença na mítica sala lisboeta, depois de fazerem a primeira parte dos Foals em 2013. Na mesma vaga que bandas como Wild Beasts ou Alt-J, o grupo de Manchester tem uma abordagem ambiciosa ao Indie Pop/Rock, com uma profusão de influências dos mais variados quadrantes musicais e propulsionada pelo falsete de Jonathan Higgs. De resto, trazem A Fever Dream, o seu álbum mais político até à data.

O slot das 21:40-22:00 é dos mais concorridos de todo o festival, com 5 projectos em actuação simultânea. No meio de todas as propostas, do queer punk de pelo na venta de Vaiapraia e as Rainhas do Baile bem marcado para a Garagem EPAL ao regresso em grande do “anjo caído” do fado que é Paulo Bragança na Casa do Alentejo, temos os Childhood na Estação Vodafone. Uma mistura de soul e retro pop despretensiosa mas destinada a ficar no ouvido é o que o quarteto de Brixton promete trazer.

A última grande escolha da noite coloca Sevdaliza em confronto com Liars, mas as suas sonoridades são tão distintas que funcionam mais como complemento que competição. A cantora vem juntar-se a nomes como FKA Twigs ou Arca no panorama do R&B para a era digital, mas a forma como deixa a sua herança iraniana (detém nacionalidade iraniano-holandesa) perfumar a sua música confere-lhe um carácter encantatório, que certamente procurará demonstrar Cinema São Jorge. Na Estação Vodafone, Angus Andrew vem apresentar o mais recente TFCF. Singularizamos o nome porque Andrew, igual a si mesmo, viu-se livre da restante banda para este novo álbum, que mantém o experimentalismo mas marca um progressivo distanciamento do Punk que popularizou o projecto. Para esgotar os últimos cartuxos do fim-de-semana, nada como dar um passinho de dança com Moullinex, que tomou 2017 de assalto com Hypersex, no Coliseu.

 

Texto – António Moura dos Santos
Evento – Vodafone Mexefest 2017
Promotor – Música no Coração