Antecâmara de talentos e palco para valores seguros, o Vodafone Mexefest é um festival que se faz de surpresas e nomes a rever, o que faz de si uma roleta que se presta a desilusões e alegrias. Felizmente houve principalmente das primeiras, com a beleza de Destroyer, o talento de Oddisee e a energia de Samuel Úria a assumirem os maiores destaques. Das primeiras, apenas uma a apontar: Washed Out, mas continuamos a gostar deles tal como são.
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Malfadada labuta profissional a quanto obrigas, só chegámos chegou ao concerto dos Killimanjaro nas traseiras do Capitólio já o trio barcelense ia a meio do seu set, que mais pareceu um coice para dar um abanão a quem ia chegando rumo a uma longa noite de música. A aproveitar as tréguas que a chuva deu, os Killimanjaro, sábios estudantes do Stoner e do Heavy Metal clássico, proporcionaram temas musculados como Hook, Howling ou a sobejamente conhecida December. Dado o avançado da hora, não ouvimos nada de Shroud, o seu novo EP, mas, para compensar, abánamos à cabeça com uma versão de Ace of Spades, dos Motorhead, com eles no sítio e, se tudo indica, os concertos que vão dar com os Stone Dead em homenagem ao Punk vão resultar em bailarico.
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Junto às mesmas instalações, só que nos antípodas musicais, IAMDDB teria o seu momento triunfal de filha pródiga. Nascida em Cascais, mas radicada em Manchester desde tenra idade, Diana de Brito não vinha a Lisboa desde os 5 anos e sentiu-se confortável a falar em português, momento que se avizinhava tão especial para si que confessou ter cancelado concertos para estar presente no Mexefest. A gratidão foi palpável, assim como a química que estabeleceu com o muito público presente no teatro lisboeta, tanta que por vezes até pecou por excesso com banter que roubou tempo às canções. Fazendo lembrar SZA ou esta fase mais tardia de Rihanna, a cantora deslizou entre o R&B devedor ao Trap e ao Bass britânico e o Hip-Hop mais ostentativo, com Pause e Childsplay a puxarem pelos seus dotes vocais (com falhas compensadas pelo à vontade) e Shade a mostrar a sua faceta mais gangsta, esta última canção auxilada por membros do público que vieram dançar para o palco e uma menina que passou mais tempo a gravar-se que a apreciar o momento. Enfim.
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A paragem seguinte deste intenso périplo foi no Coliseu onde, infelizmente, se registou uma ligeira desilusão. Dizemos “ligeira” porque Washed Out não é o tipo de projecto que se presta ao hubris – não prometem mundos e fundos para depois desapontar, apenas uma hora muito bem passada com a companhia descontraída de Ernest Greene, ou não fosse o estilo que apregoa apelidado de Chillwave. O problema é que, mesmo com a força extra do baixo e bateria a acompanhar, pairou sempre a sensação que não se estava bem num concerto, antes no início de uma festa onde as pessoas se começam a conhecer a medo e é necessário fazer uma playlist prazenteira mas não intrusiva para os primeiros contactos – e para completar esta triste metáfora, a sala estava apenas meio cheia. Nem o ritmo tropicante de Zonked ou a imediaticidade dançável de Get Up chegaram para espevitar um concerto chocho que ao menos podia puxar para um pézinho de dança e, apesar de Hard to Say Goodbye ser um excelente tema, foi precisamente o que não sentimos ao sair para voltar ao Capitólio.
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Lá, estava Oddisee a incendiar a pista com a funkiness irresistível de That’s Love, mesmo sem os préstimos de Good Company, a banda que o acompanha. O rapper de Washington, de seu nome Amir Mohamed el Khalifa (dada a sua dupla etnia, sudanesa e afroamericana), é uma das vozes mais interessantes das correntes alternativas do Hip-Hop norte-americano e, numa fase em que cada vez mais se veem rappers incapazes de actuar decentemente ao vivo, foi uma lufada de ar fresco ver um MC sem necessitar de backtracks para demonstrar a sua mensagem. O próprio tem consciência disso, ao desabafar que já nem é preciso usar palavras antes do manfesto anti-discriminação que é Like Really e, principalmente, no exercício de paródia que fez em Want Something Done ao transformá-la numa versão trap mais lenta, mais pesada, e, nas suas palavras, “mais estupidificada”. Não se entenda, contudo, que Oddisee é um Velho do Restelo chato: mesmo com as dúvidas existenciais de Own Appeal, foi duma celebração que se tratou a sua actuação, até porque, sendo o dia de aniversário de sua mãe, o público fez honras de cantá-lo a alto e bom som. Depois de Slow Groove, dedicada a si mesmo pelo feito conseguido de chegar ao fim duma tour que passou por 120 cidades, NNGE, sigla para Never Not Givin’ Enough, servindo-se dos sons do Go-go da sua cidade natal, trouxe um final festivo a um ponto alto do Mexefest.
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De volta ao Coliseu, Dan Bejar já estava reunido com a sua numerosa turma de músicos a tocar In the Morning, uma de muitas lições em elegância desse projecto paradoxalmente chamado de Destroyer. Verdade seja dita, a entrega subtil (leia-se, cantar para dentro) de Bejar ficou frequentemente perdida, mas isso pouco manchou uma performance marcada pela sumptuosidade dos arranjos que estas canções ostentam, como os teclados grandiosos e as investidas delicadas de saxofone e trompete. Os temas de ken foram, com naturalidade, um dos maiores pontos de interesse desta vinda, como o sonho pastel que é Tinseltown Swimming In Blood, o rock glorioso de Cover from the Sun ou a atmosfera melancólica de Saw You at the Hospital, mas o que os canadianos trouxeram foi um alinhamento equilibrado com material mais antigo. A grandiosidade de European Oils ou o balanço agridoce de Kaputt foram apenas alguns dos destaques de uma actuação que atingiu o finalíssimo com o Rubies.
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Dada a frequência com que o tondelense sobe aos palcos nacionais, a actuação de Samuel Úria no Cinema São Jorge podia prever-se pouco concorrida, mas a molhada de gente acotovelada às portas contou outra história. Sala à pinha, actuação de gala: Úria (vestido a preceito), banda e coro partiram proverbialmente a louça toda, e como Carga de Ombro ou Repressão demonstraram, o músico nem precisava das suas convidadas para conferir mais interesse ao concerto, mas em boa hora o fez. Isto porque se a versão de Don’t, original de Elvis Presley, docemente tocada por si e cantada por Gisela João já o justificaria, o seu dueto a transbordar de química em Lenço Enxuto foi um dos momentos mais bonitos da noite – e do festival, diga-se – não obstante falhas técnicas. Com a fasquia tão elevada, a participação de Ana Bacalhau pouco depois não teve o mesmo impacto, mas a vocalista dos Deolinda não se fez rogada e Não Ouviste Nada foi mais um bom momento. Após as participações de ambas as cantoras, restou a Samuel Úria pedir às pessoas para gingarem suavemente as ancas, mesmo que sentadas, para a fantástica É Preciso Que Diminua (com Filipe Cunha Monteiro a assumir uma terceira guitarra e devolver o favor que Úria fez ao tocar com ele no Palácio Foz horas antes – quão bonita é a camaradagem) e depois abanarem involuntariamente a cabeça com uma versão bem acelerada de Teimoso, pondo fim a outro dos highlights deste festival.
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De um Samuel que é dos mais finos representantes da língua portuguesa cantada para outro que durante anos a defendeu com unhas e dentes, os Orelha Negra encerraram este dia 24 com a espectacularidade que lhes é costumeira. O seu último álbum, cujo nome nem vale a pena mencionar, cimentou-os como um dos projectos superlativos da cena nacional e os valores de produção (desde a já célebre tela que os encobre no início das actuações à qualidade das projecções de vídeo), num nível à parte, demonstram-no. De “velhos” clássicos como M.I.R.I.A.M ou Throwback às mais recentes A Sombra e Parte em Mim, o quinteto continua a provar que é mais do que a soma das suas reconhecidas partes e que, sem grande surpresa, vão continuar a arrastar multidões para os seus concertos. Cá estaremos para os ver.
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Vodafone Mexefest’17, Dia 1: Doce Retorno
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Texto – António Moura dos Santos
Fotografia – Luis Sousa
Evento – Vodafone Mexefest 2017
Promotor – Música no Coração