É de sentimentos confusos ou pelo menos ambivalentes que falamos nesta noite que aqui se relata. Por um lado temos uma banda norte americana, mais concretamente de Baltimore, os The Flying Eyes, a tocar no Sabotage Club, a fazer a tour do seu quinto disco, pela primeira vez em Portugal.
Por outro lado, ângulo ou perspectiva sabemos que é um dos últimos. A banda anunciou em meados de novembro que iria terminar sem revelar muitos detalhes. É a primeira e a última vez em Portugal. Sabemos perfeitamente que nunca devemos dizer nunca, até porque os anos anteriores tem sido pródigos em reuniões e afins de bandas das quais há muito ninguém ouvia sequer falar. Isto é diferente. Não estamos a falar de uma banda cheia de sucesso nos escaparates e nas bocas do mundo. Fala-se de uma banda que honestamente possivelmente não prossegue porque sabe que para percorrer mais que isto poderá ter de ser desonesta consigo própria, porque a verdade é que quem segue este caminho mais ou menos sinuoso do stoner e afins, e aqui os Flying Eyes tem um pé no stoner e outro nos afins do rock n’roll, já não discute a qualidade ou o papel destes no panorama do género.
O último disco até ao momento viu a luz do dia depois de um interregno de cerca de 4 anos. E apesar de ser real que não é uma revelação é indiscutivelmente uma confirmação de qualidade, cheio e voluptuoso como se quer o blues, ligeiramente áspero como qualquer rock n’roll.
O Sabotage Club encheu, mas mais do que cheio de pessoas, porque não se tornou como por vezes sucede naquela situação em que nem os olhos conseguimos quase mover, ganhou aquela sua forma mais quente de espaço intimo e acolhedor que tantas vezes nos oferece. Existem diferenças naquilo que por vezes as bandas encontram e no que o espaço oferece fisicamente e emocionalmente. Neste caso parecem ter ido ao encontro uns dos outros de forma bastante harmoniosa e espontânea.
Fizeram jus ao que deles conhecemos; um rock com raízes bem profundas no blues psicadélico dos anos 70. Don’t Point Your God at Me, Nowhere to Run ou Sing Praise do novo disco com as suas linhas de baixo voluptuosas, tal Come Around ou Oh Sister. A voz arrastada e meio rouca de Will Kelly percorre a sala, todos os golpes de Schutzman na bateria reverberam em nós enliados no baixo anguloso de Hewitt e é na guitarra de Bufano que nos reencontramos com a doçura áspera daquele rock n’roll onde se contam histórias.
Não poderia faltar Lay With Me. Bonito, efémero, divertido, mas com aquele travo amargo de saber que provavelmente não veremos novamente. Tivemos tudo isso e as músicas dos Flying Eyes, que foram escolher o peculiar nome a um filme de terror dos anos 60.
Afortunados os que saíram do conforto dos seus sofás e mergulharam na noite gelada para não perder a oportunidade rara de os ver em palco.
Texto – Isabel Maria
Fotografia – Daniel Jesus