Duas bandas filhas do rock, mas com uma certa aura punk. Talvez emanada pela atitude ou pelos ritmos frenéticos que ambas debitam. Esta iniciativa levada a cabo pelos Stone Dead e Killimanjaro em colaboração com a Antena 3, surge com a intenção de se assinalar a passagem de 4 décadas desde que o punk emergiu. A realidade é irónica e ri-se de nós descaradamente. O punk que cantou e gritou a plenos pulmões “No Future”,não imaginaria o quão certo estava. Agora mais que nunca é difícil prever ou perceber o que o futuro nos reserva. Aquele vazio insatisfeito que se transformava em revolta e se revelava nas guitarras roucas e assanhadas, nas vozes desafinadas e desafiantes, nas letras provocadoras, cresceu. Vingou. Como uma erva daninha. E agora mais que nunca faz todo o sentido.
Assim não é nada estranho ver uma maralha com idade para ser filha do punk, daqueles que eram adolescentes nos finais dos 70, inicio dos 80 encher praticamente a casa. É a estes que mais toca esta emoção desgrenhada, este libertar de frustração do casulo do mundo, aqui, às escuras, no meio do fumo, dos copos partidos, do vomitado à beira do palco. O MusicBox foi o local escolhido para a demonstração de caos.
O palco mal chegou para acolher as duas baterias, as duas guitarras e os dois baixos. O mínimo deslize seria suscetível de causar a queda de microfones. Mas apesar do pouco espaço os músicos de ambas as bandas não tiveram grande dificuldade em encontrar o seu próprio espaço como se quase tudo estivesse coreografado, numa desorganização estranhamente aperfeiçoada.
Com uma casa quase cheia e totalmente disposta a criar o caos, os sete em palco descarregam com todo o peso If The Kids Are United e pelos Sham 69 começa a viagem com o público a gritar no meio da escuridão em coro com a banda. The Clash e Ramones seriam as paragens seguintes, sempre num frenético e pujante ritmo para descambar logo de seguida para Ramblin Rose, carregando nas notas mais quentes dos MC5 para de seguida os Kilimanjaro deixarem o palco por inteiro aos Stone Dead, que aproveitam para baixar o ritmo e em tom de provocação cantam Baby, Baby, The Vibrators, ou Orgasm Addict dos Buzzcocks e ainda Born to Lose dos Heartbreackers. Um ecléctico Viva la Revolution dos The Addicts e Now I Wanna Snif Some Glue dos Ramones e via-se na assistência os olhos atentos de músicos experientes que seguiam e acompanhavam o punk que mais de mil vezes já cantaram. É Afonso Pinto dos Parkinsons que sobe ao palco para cantar Pretty Vacant a perpetuar o caos e o crowdsurfing que grassava na metade da casa junto ao palco.
A verdade é que apesar de se ter tido o privilégio de numa homenagem ou revisitação ao punk ter na audiência e mesmo em palco a presença dos Parkinsons, faltou aqui a menção ao punk cantado em português e o público fez questão de o mencionar várias vezes ora pedindo Censurados, ora gritando pelos Peste e Sida. Mas não falharam nos Parkinsons e Ricardo Brito foi para trás da bateria tocar So Lonely.
Novamente com os músicos de ambas as bandas em palco vivia-se uma espiral frenética, sem principio nem fim, mas que passou por Motorhead, Sex Pistols e Stooges. Suados, cheios de álcool até não dar mais, prestes a ficar sem voz é dada a justa homenagem a Zé Pedro com Morte Lenta e Submissão gritado desde as vísceras às cordas vocais.
Sonic Reducer dos cáusticos Dead Boys e Kick Out The Jams dos MC5 encerram a noite de inverno, que se transformou em quente e suada, apesar de em tom de provocação os músicos dizerem que aqui na capital não se sente a febre como lá em cima…será? Acho que as luzes de palco não lhes deixaram perceber o caos que durou cerca de 1h30! 40 anos volvidos desde 1977. 40 anos de punk.
Texto – Isabel Maria
Fotografia – Luis Sousa