Quarta-feira à noite estava frio. Foi uma noite fria e cinzenta como o são muitas noites de Janeiro. Foi também uma noite algo deserta. As ruas estavam vazias de gente, de carros, de barulho. Parecia uma daquelas noites longínquas que às vezes recordamos. Aquelas noites insuspeitas em que havíamos saído de casa apenas para beber um café num lugar qualquer ao lado da rotina. O Sabotage Club recebeu assim nesta atmosfera quase mística os dinamarqueses Tales Of Murder And Dust na sua estreia na capital portuguesa.
A sonoridade dos Tales of Murder and Dust é adequada a esta atmosfera negra e lúgubre das noites de Janeiro. O clube do Cais do Sodré encontrava-se um pouco despido mas à medida que se aproximava o momento da banda entrar em palco a plateia compôs-se num ambiente familiar e melancólico. A luminosidade do palco estrategicamente colocada pela própria banda, demonstra o quão vincadas é a visão da música que criam, que a espaços parece evocar mitos distantes mas enraizados na nossa carne.
Certas ideias invocadoras de um post-punk bastante presentes na maioria das composições mas lentamente suplantadas por uma intricada rede de distorção que aumenta compassadamente nas nossas cabeças e embate nos nossos corpos como uma onda que depois nos arrasta e envolve. Assim foi a música com que abriram o concerto Tidal Wave. Começa tímida e quase imperceptível, cresce e aumenta, mas lentamente até nos dominar e submergir num mar de distorção, quase ao ponto de explodir nos nossos corpos. O público mantém-se num silêncio cerimonioso, aplaudindo a cada música, cada vez mais envolvido na teia leve e subtil da banda.
A bateria num passo lento mas sempre certo, arrastado mas límpido introduz Black Reflections e Laid Bare, todas elas na mesma toada mística, a espaços invocadora das florestas nórdicas e da melancolia juvenil da solidão.
O momento dos Tales Of Murder and Dust é de renovação. A formação da banda alterou-se desde que gravaram The Flow in Between e assim tivemos o prazer de sentir a identidade que constroem agora através das novas músicas que apresentaram, Flawed Beliefs e Fragile Absolutes, que muito provavelmente irão fazer parte do próximo registo da banda. Sisters, Mirror e Endless Repetition fizeram também parte do alinhamento na continuidade da revisitação ao mais recente trabalho da banda.
Um set denso e intenso que culminou em Hypnotized Narcissist onde a banda exerceu toda a sua transcendência, levando a plateia numa viagem exuberante e negra terminando o set numa demonstração de distorção violenta e intensa, com as luzes do palco manipuladas pelos músicos a terem um papel fundamental na criação desta atmosfera.
Intensos e únicos, marcaram a quente o espírito dos que ali se encontravam e que prontamente se apresentarão novamente no regresso desta onda negra de distorção melancólica dos Tales Of Murder and Dust.
Texto – Isabel Maria
Fotografia – Luis Sousa