Sábado à noite e o Cais do Sodré parecia quase um deserto. Uma espécie de primeira vez, testemunhar tal coisa. Arranjar lugar não foi assim tão complicado, mas já estávamos um pouco atrasados para a hora marcada, 22h30 no Sabotage. A noite pertencia à Bazuuca, agência, promotora e produtora sediada em Braga, que para além dos nomes que trouxe naquela noite a Lisboa – Máquina del Amor e This Penguin Can Fly – também trabalha com nomes nossos bem conhecidos como Bed Legs ou Grandfather’s House. Ultimamente tem organizado algumas “Noite(s) Bazuuca” pelo país, todas elas com excelentes projectos. Se os apanharem por perto, não os percam.
Há muito que andava a namorar Máquina del Amor, em 2015 o disco de estreia homónimo foi para mim uma das melhores surpresas do ano, e This Penguin Can Fly, cuja sonoridade embora vá beber um pouco ao post-rock (género que tanto gosto), acaba por percorrer um espectro bastante ecléctico de sonoridades. Quando soube que ambas as bandas iam tocar no mesmo dia no Sabotage marquei logo na agenda. Só lamento ter sido das poucas pessoas a fazê-lo. Os concertos só começaram pelas 23h30, porém mesmo a essa hora a sala condizia com as ruas do Cais do Sodré às 22h30. Poucas pessoas. Não consigo imaginar como é estar para dar um concerto e ver uma plateia pouco composta, mas confortável e animador não deve ser. Apesar do esforço notável das bandas para ignorarem esse facto, a mim pareceu-me que isso influenciou o ambiente da noite, a uns mais do que outros. Não obstante, os dois projectos subiram ao palco e deram o possível.
O primeiro concerto pertenceu aos Máquina del Amor que lançaram o segundo trabalho, “Disco”, em Novembro de 2017. Existe qualquer coisa de transcendente quando estes quatros músicos criam as suas teias sonoras. De convencionais não têm nada, mas de desconcertantes têm muito. Ao longo dos temas, tanto nos sentidos nas mesmas frequências sonoras como conseguimos sentir um certo desconforto reconfortantes. Uma autêntica antítese, eu sei, mas não é fácil caracterizar, pelo menos para mim, a viagem pela estética dos Máquina del Amor que tanto é introspectivo como efusiva, agressiva ou delicada. Se já ouviram o disco sabem que as canções de lineares não têm nada e que as composições têm mais de maquinaria do que de orgânico. Ou seja, ao vivo, este é um projecto que tem tudo para dominar uma sala, criar buracos negros ou colocar-nos numa outra dimensão (dimensão essa que poderia ser reforçada com algumas projecções). Tal não aconteceu na noite de Sábado, mas tenho para mim que muito se deveu a quão despida estava a sala. Mereciam mais.
E o mesmo se aplica ao trio da noite, os This Penguin Can Fly – acho adorável que tenham um Pinguim de peluche com eles em palco. A primeira coisa que o bateria fez, e muito bem, foi pedir aos presentes que se chegassem para mais perto do palco. Também em 2017 lançaram o eu primeiro disco – “Caged Birds Think Flying is a Disease”. Um disco com este nome mostra uma sensibilidade e uma inocência que condiz com a estreia nos álbuns de longa duração, mas que contrasta com a forma enérgica e pujante com que se atiram aos seus instrumentos. Em contraste com a banda anterior, em This Penguin Can Fly temos bateria, baixo e guitarra entregue a si mesmos, sem grandes apetrechos ou distorções. Mas não se deixem enganar, a simplicidade com que tocam está vestida de uma ferocidade que tanto nos impele a dançar, como a correr ou só a contemplar paisagens exalam liberdade. Para os amantes de rock instrumental com texturas post-rock esta é uma banda que vale a pena conhecer.
Texto – Sofia Teixeira
Fotografia – Nuno Cruz