Lançado no ano de 1957, On The Road, ou Pela Estrada Fora como foi lançado em Portugal, tornou-se numa das obras mais icónicas e temporais da literatura inglesa, assim como um marco da geração Beatnik. Relatando uma viagem pelos Estados Unidos, protagonizada pelos emblemáticos Sal Paradise e Dean Moriarty, este livro ficou marcado pela revolucionária prosa de Jack Kerouac em que o autor consegue produzir uma banda sonora interna ao livro, desprendendo-se de palavras ou frases, para transformar o relato de uma viagem numa autêntica busca espiritual, uma descoberta do ser.
Na passada sexta-feira, em jeito de celebração do sexagésimo aniversário do lançamento da primeira edição de On The Road, o Sabotage levou a cabo um espetáculo de homenagem digno de ser relembrado por muitos e muitos anos: consistindo numa banda sonora para o livro interpretado por Tó Trips (guitarra), uma leitura por Tiago Gomes e vídeo-beat de Raquel Castro. A junção destes três elementos conseguiu captar a essência vital de On The Road: a viagem de uma vida por uma estrada perdida e infinita.
Como qualquer história que se relata, o seu início consiste num enquadramento teórico onde as personagens são apresentadas, e é precisamente com a primeira interação entre Sal Paradise e Dean Moriarty que a noite se dá. Logo aqui, após a leitura dos primeiros excertos de On The Road, é impossível de não se frisar a importância de ter uma personalidade tão forte como a Tiago Gomes a tomar conta das palavras deste concerto, ou não tivesse este uma capacidade de relatar os acontecimentos de forma tão credível e verídica que nos leva mesmo a crer que Tiago foi Sal Paradise.
Para um livro tão acarinhado como On The Road, o caminho para o seu relato poderia facilmente ser feito de forma a suscitar a nossa imaginação a delinear o percurso realizado por Sal Paradise e Dean Moriarty. Naquela noite, tal não aconteceria. Naquela noite, não haveria tons doces e aconchegantes a reler aventuras, mas sim uma rouquidão carismática; ao longo de uma hora, Tiago Gomes tornara-se num indivíduo típico de um bar em Los Angeles que carregava a premissa de uma história fenomenal para contar.
Oscilando entre português, inglês ou espanhol, Tiago Gomes manteve-se sempre preso nas suas ‘lembranças’ para reviver a dita história, com cada pausa a relembrar as dificuldades em recordar eventos tão passados. Nestes ditos momentos em que as palavras de Tiago vacilavam, o típico bar americano nunca entraria em momentos de silêncio, ou não fosse a presença fulcral de Tó Trips e de Ian Carlo Mendoza (percussão) em recriar todos os detalhes da epopeia até ao mais ínfimo detalhe.
Naquela noite, Tó e Ian personificavam as personas de Sal e Dean. A forma como ambos os músicos tocavam de forma tão genuína e humana, com as linhas improvisadas pela guitarra a serem acompanhadas de mão dada por toda a percussão, levaram-nos a testemunhar uma relação próxima e apaixonante de consanguinidade, como se os laços que unissem estes dois músicos fossem a de uma irmandade de admiração e fieldade, tal como a dos protagonistas de On The Road.
Em On The Road, muitas vezes é deixado claro que o mais importante numa viagem não é chegar ao destino em si mas sim o percurso até que o mesmo seja alcançado. Graças às palavras de Tiago Gomes e às notas de Tó Trips, um Sabotage, bem composto por sinal, reviveu a América dos anos 50 ao longo de uma emotiva e envolvente hora de concert… não; aquilo que aconteceu a sexta-feira passada foi mais do que um concerto. Foi a arte no seu expoente máximo.
Texto – Nuno Fernandes
Fotografia – Luís Sousa