Quinze anos, cinco discos, um EP que vale ouro e outras canções soltas pelo meio fazem dos Linda Martini um nome incontornável da música portuguesa. Começaram no circuito punk/hardcore e admitem, em entrevistas, que tiveram sorte desde o início. Com sorte ou sem ela uma coisa é certa: mérito é coisa que não lhes falta. Prova disso mesmo foi o concerto de Quinta-feira passada (dia 15 de Fevereiro), a primeira de duas datas esgotadas no Lux Frágil, para apresentação de Linda Martini, disco homónimo. O público era tão ecléctico em idades como tem vindo a ser a sonoridade dos Linda Martini ao longo da última década e meia.
Dos mais jovens aos mais velhos não faltaram pulmões, nem energia, numa noite que prova que uma banda destas só ganha em manter-se, na sua essência, em estado bruto. Isto é, o polimento é pontual a cada disco, a cada concerto, a cada momento através de guitarras vibrantes com distorções ao alto, um baixo que a cada disco está cada vez mais proeminente e uma bateria sem limites. Assistimos assim a um diamante (a banda) que assume a forma que cada um sente ser a sua, tornando-o único.
Em quinze anos muito deve ter mudado na vida de cada um, mas a determinação em fazerem o que gostam e como gostam, independentemente das expectativas que o público possa ter, faz com que quando estabelecem uma ligação emocional recíproca com o público esta seja altamente visceral. O olhar em palco, esse, é já um pouco diferente de há uns anos atrás. Existe uma espécie de comoção quase fraternal em relação aos membros mais jovens do público, o que é perfeitamente normal quando boa parte dele ainda estava para/a nascer quando começaram a fazer música.
Tive a oportunidade de ficar nas linhas da frente do concerto e com isso estar mais próxima tanto da banda, da sua linguagem corporal, como do público, que rapidamente se organizou para juntar os que tinham o sangue a ferver e que destemidamente fizeram os círculos de mosh que sentiam que as músicas pediam. Não há tanto tempo assim era eu e os meus amigos que estávamos ali no meio e é impossível não largar um sorriso gigante de quem percebe que esta banda, que se admira há mais de uma década, continua a ter o mesmo efeito nas novas gerações. Na altura do Turbo Lento, há quase cinco anos atrás, escrevi: «Penso que os Linda Martini têm esta capacidade inata, e ao mesmo tempo assustadora, de resgatar nos seus ouvintes as partes mais recônditas de si mesmos. Vasculham-nos a alma, agitam-na por dentro e levam-nos a gritar em plenos pulmões todas as coisas reprimidas numa expressão conjunta sem igual.» Desde então, gravaram Sirumba e agora o disco homónimo. Antes tinham gravado Olhos de Mongol, Marsupial e Casa Ocupada. Cada disco com uma reacção diferente, mas o extraordinário é terem mantido exactamente aquela tal capacidade inata de criar uma energia que só à banda e aos seus fãs pertence.
Linda Martini foi então o mote para este concerto e foi com admiração e respeito que constatei que muitos fãs, principalmente dos mais jovens, já sabiam boa parte das letras e fizeram coro com a banda. Os sorrisos partilhados em palco mostravam essa mesma surpresa, mas também um grande orgulho, reforçado e destacado por Hélio Morais, no extremo direito do palco, quando disse “este lado está claramente a ganhar a esse”. E estava. Algo que mudou passadas algumas músicas quando já toda a frente do palco se mexia ao sabor dos empurrões saudáveis de um concerto rock e do crowdsurfing. Pedro Geraldes avisou e cumpriu “se me agarrarem eu vou!”, e ele foi. Havendo até espaço para um abraço a um fã em pleno “vôo”.
Os temas deste último disco são fortes, crus e ao mesmo tempo sensíveis, atravessando espectros sonoros que tanto carregam nas distorções (p.e. “Quase Se Faz Uma Canção”) como pegam num tom mais dançante (p.e. “É Só Uma Canção”). A emoção é a de libertação, a catarse através da música em que as letras e a voz de André Henriques tomam um papel mais preponderante e muito bem-vindo. Pela reacção do público, “Boca de Sal” e “Gravidade”, os singles lançados, mostraram que já se tornaram temas de referência. Foi uma noite muito bonita em que também houve tempo para as aclamadas “Belarmino Vs.”, “Lição de Vôo Nº1” (que a banda já não tocava há algum tempo, mas que é sempre arrepiante), “As Putas Dançam Slow” (tema que pouco tocam ao vivo, mas que será sempre dos meus preferidos), “Amor Combate”, “Putos Bons” e a incontornável “Cem Metros Sereia”.
Os Linda Martini são aquela banda que, tenham noção disso ou não, tocam no âmago de muitos e têm marcado todas as gerações que os ouvem. Resta-me esperar que venham mais quinze anos recheados de boa música e que nunca percam esta essência que os caracteriza que é serem eles mesmos naquilo que fazem, sem merdas.
Alinhamento:
Semi Tédio dos Prazeres
Caretano
Boca de Sal
Panteão
Belarmino Vs.
Quase Se Fez Uma Casa
Febril (Tanto Mar)
É Só Uma Canção
Lição de Vôo Nº 1
Domingo Desportivo
Cor de Osso
Unicórnio de Sta. Engrácia
Gravidade
Se Me Agiganto
As Putas Dançam Slows
Amor Combate
Putos Bons
Cem Metros Sereia
Texto: Sofia Teixeira | BranMorrighan
Fotografias: Luís Sousa