Na noite de Quinta-feira passada, dia 22 de Fevereiro, o Lux Frágil voltou a ser palco para um dos projectos de maior referência do rock português, The Legendary Tigerman. Em Janeiro saiu o seu último disco, MISFIT, em que pela primeira vez, em estúdio, assumiu o formato banda, juntando-se a Paulo Furtado os músicos João Cabrita e Paulo Segadães. Foi no contexto da apresentação deste disco que o Lux esgotou para uma noite que se viria a mostrar memorável, tanto pela performance da banda como por pequenos momentos mais inusitados que tiveram o lado positivo de mostrar a fibra da qual The Legendary Tigerman é feito. Foi também uma noite que nos mostrou que o rock está longe de estar morto, principalmente enquanto houver um “MISFIT” como Paulo Furtado que dá o peito às balas em palco não deixando margem para dúvidas em relação ao seu talento e entrega, mesmo quando sente que as coisas estão “estranhas”. Mas já lá vamos.
A abrir a noite esteve Sean Riley (sem os seus Slowriders), apresentando algumas das canções que farão parte do seu disco de estreia a solo, a ser editado em Abril, Califórnia. Se há algo que caracteriza bem Afonso Rodrigues é o timbre único da sua voz a e a forma natural com que hipnotiza quem o ouve. Munido apenas de uma guitarra acústica (e de uma eléctrica num tema que compôs naquela semana e que disse ainda não a saber cantar muito bem – na nossa opinião esteve impecável) e da sua voz, Sean Riley levou-nos por paisagens sentidas, provocando a nossa imaginação no que toca aos cenários vividos e sentidos enquanto compunha as músicas. É que boa parte do disco foi sendo composto e gravado em quartos de motéis enquanto viajava, precisamente, com Paulo Furtado. Penso ser unânime que todos ficaram curiosos com o disco que está para vir.
A contrastar com o ritmo calmo e simples de Sean Riley, subiram então ao palco Paulo Furtado, João Cabrita, Paulo Segadães e Filipe Rocha para deixarem bem claro que o rock é um género indomável que ainda habita bem a alma daqueles que o incorporam. Começaram com a poderosa “Black Hole”, seguida de “The Saddest Girl on Earth”, e as descargas de energia não se tardaram a fazer sentir. Sou suspeita, MISFIT é, provavelmente, o meu disco preferido de The Legendary Tigerman, muito devido a uma maior ligação não só com a sonoridade como também com a parte lírica. Existe uma sensação de intimidade e de proximidade com o disco, como se este nos fosse despindo ao longo do mesmo. Ao vivo, todas estas dimensões ganham uma vida física que nos arrebata, muito devido não só à atitude explosiva do próprio Paulo Furtado como à dinâmica que este tem com os músicos que o acompanham. Se em True, disco de 2014, João Cabrita e Paulo Segadães já se tinham iniciado no universo de concertos de Tigerman (em que para mim fica a noite memorável em Paredes de Coura, na qual Filipe Costa também participou nos teclados), agora em MISFIT com Filipe Rocha no baixo existe um poder sonoro ainda maior. Com as canções sempre acompanhadas por projecções visuais, a dificuldade por vezes sentida era apenas em qual das vertentes do concerto mergulhar: se fechar os olhos e dançar, se ficar vidrado pelo electrizante Paulo Furtado ou se ficar fascinado pela conjugação palco/projecção.
O rock’n’roll sempre foi uma arma poderosa para as manifestações de desenquadramento na sociedade. O próprio título do disco não é inocente, Paulo Furtado assume que sempre se sentiu desajustado, o que sempre potenciou ainda mais o seu poder à guitarra/bateria/microfone (como tantas vezes o vimos em formato one-man-band). Quinta-feira, esse desajuste voltou a rugir com a inconformidade. A certa altura, Tigerman diz para o público que não percebe bem o que se está passar, mas que o concerto está a ser “estranho”. Mais tarde volta a intervir dizendo que “de 0 a 10, para mim, está a ser um 3”, pedindo desculpa por isso mesmo. Do que talvez o músico português não tenha noção dessa noite, é que mesmo com todos esses sentimentos da sua parte mostrou que existem poucos como ele. Foi sempre capaz de continuar a dar tudo o que podia. A certa altura compreendi um pouco o porquê de ele sentir aquela estranheza. Não me levem a mal, mas a reacção do público durante o concerto, ou pelo menos do público mais próximo do palco, esteve longe do que já presenciei em outros concertos. Mesmo no “tema bomba” que é sempre “21st century rock’n’roll” a adesão do público, que noutros concertos foi frenética e febril, ali no Lux Frágil foi morna.
Tendo presenciado a pré-apresentação do disco no Coliseu, em Dezembro, para mim não restam dúvidas que The Legendary Tigerman tem evoluído e passado por algumas metamorfoses que só podem deixar uma pegada lendária nas paredes do rock português. A noite de Quinta-feira terminou com um pequeno encore, em que ouvimos mais um valente “que se foda” em relação ao que corria menos bem, terminando com o já clássico “Sleeping Alone”. Um concerto de The Legendary Tigerman será sempre um concerto digno de se viver sem merdas, merecedor de toda a irreverência e paixão com que se possa corresponder.
Texto – Sofia Teixeira | Blog BranMorrighan
Fotografia – Luis Sousa